A construção do texto jornalístico

Escrever é um fenômeno intelectual que depende de competências diversas e revela a capacidade de expressão e comunicação. A competência cognitiva, como habilidade de selecionar de forma fiel e completa os conteúdos estruturalmente relevantes e os objetivos das informações a serem elaboradas; a competência retórica, como habilidade de separar, organizar, coletar e ligar frases e parágrafos entre eles; a competência transpositiva, como habilidade de transformação dos materiais informativos e conceituais de partida, com base em exigências pragmáticas; a competência linguística, como habilidade de controle do código da língua escrita.

Aprender a escrever frases curtas ou raciocínios simples não permite ao indivíduo articular facilmente um discurso com maior grau complexidade. Diante de um poder limitado de comunicação, o direito de participação na vida social, política e intelectual é reduzido. Escrever consiste na habilidade de juntar, textualmente, sequências longas e complicadas de materiais conceituais e expressivos. A partir dessas construções linguísticas mais complexas pode ser articulado um pensamento mais abrangente, a comunicação se torna um evento de grandes possibilidades e permite um momento no espaço em que se revela a substância do potencial expressivo do indivíduo. 

Nos meios de comunicação o texto é um enunciado disponível, que pode ser disposto, ou seja, recuperado e utilizado em situações diversas. Pode ser repetido porque é construído para ter uma “substância comunicativa” estável, com duração no tempo seja pelos conteúdos como pelos objetivos. Essa estabilidade é garantida pela organização das suas formas, do fato de que seja um conjunto relacionado a elementos diferentes, que é divisível em partes não casuais e para o qual são explicitáveis, com ordem e critérios de aglutinação. 

No caso do texto de informação, o interesse do ponto de vista comunicativo é mais pragmático que estético e o objetivo é mais concreto que imaginário do que, por exemplo, em um texto literário.

Os textos que têm como objetivo a circulação das informações devem cada vez mais fazer as contas com os limites do consumidor, devem cooperar com um leitor sempre distraído, preguiçoso e inexperiente. Entre os estudos pedagógicos aparece a necessidade de fazer com que o aprendizado seja “divertido”, que as tecnologias facilitem esse processo reconhecidamente árduo e trabalhoso ao longo da história. Estudar nunca foi considerada uma ação de prazer, assim como o trabalho, e é esse paradigma que as novas teorias da educação tem procurado elaborar para aproveitar o potencial digital da época atual.

O escrever passa por um momento de mudança com novas responsabilidades, os textos devem ser legíveis, mas complexos, o conteúdo deve ser interessante e original, mas deve respeitar a concisão, a brevidade, para que a texto recupere a sua antiga potência aumentando o peso e a dimensão dos seus produtos.

Cada atividade ligada à leitura e à escrita representa um exercício essencial para a construção do pensamento e para o desenvolvimento da capacidade de controlar os próprios processos de compreensão, a chamada competência metacognitiva. As dificuldades que o ato de escrever soma aos problemas de compreensão são ainda mais importantes quando se tem a necessidade de narrar um fato, ou seja, de parafrasear uma história. Escrever é uma situação de tensão cognitiva, uma atividade séria e difícil que submete a um duro “esforço” todos os aspectos da nossa mente ( atenção, percepção, memória, pensamento) e no ato de sintetizar por escrito algo se somam perguntas que colocam em prova as nossas faculdades mentais. Saber escrever, portanto, não implica somente no conhecimento da gramática e da retórica, mas significa também criar e amadurecer estratégias voltadas para o controle e a simplificação do complexo de operações que a construção de um artefato comunicativo pressupõe.

Na teoria do “indivíduo mais”, de David Perkins, a bagagem de conhecimentos na sociedade da informação não se encontra somente no cérebro e na memória do indivíduo, mas é parte de um conhecimento que é a extensão do seu próprio corpo e é o saber presente nos livros, nas revistas, nos suportes digitais, na Internet. O seu uso, porém, é possível somente se tem consciência da posição desses saberes, se sabe como ou onde procurar as informações que se deseja. 

A nossa mente é concebida como um centro neuronal dotado de uma série de ramificações que conduzem a apêndices periféricos de natureza não biológica que ampliam as nossas possibilidades de conhecimento eliminando os riscos de sobrecarregar nossa atividade cognitiva. O lugar onde se encontra o conhecimento não tem uma importância própria, enquanto existe a facilidade de acesso à informação. Essa “hipótese de acesso equivalente” de Perkins significa que podemos aumentar de forma substancial o nosso poder de ação se sabemos como usar outros suportes para o nosso saber além da nossa capacidade de armazenamento na nossa memória.

O uso dos meios de comunicação como um suporte físico para o acúmulo e o uso do saber é importante para o desenvolvimento da nossa capacidade de ler e de escrever no mundo de hoje. Porém é importante observar que a construção do texto nos meios de comunicação não é pragmática e funcional como a linguagem do quotidiano, nem é um exercício de estética e imaginação como na literatura. O texto jornalístico está em um nível semiótico que requer competências de paráfrases e de tradução de observações pessoais. É um caso de tradução intersemiótica na qual a base é a realidade ou a representação da realidade codificada em um fato e um texto escrito. Refletir sobre a tradução intersemiótica significa não somente se perguntar  sobre as “diferenças” das linguagens, mas sobretudo sobre as estratégias que envolvem a semelhança entre os textos. No fundo, a própria noção de tradução traz consigo a ideia de que  “algo” permanece invariável, e é subjetivamente reconhecível como tal, mesmo na transformação de um texto em um outro sistema semiótico.

O “texto” da realidade é reconhecido no discurso jornalístico pelo leitor se ele é capaz de fazer inferências e entender as representações da escrita usando o seu poder para aumentar a sua bagagem de conhecimentos. Dominar o instrumento da leitura é o meio fundamental para coletar e organizar as informações disponíveis, é uma experiência de tomada de consciência, em uma perspectiva fenomenológica que envolve o sujeito em uma experiência intuitiva e imaginativa. O sentido da leitura não está somente  dentro dos limites de um texto, mas se completa – e esse é o aspecto determinante – na realidade que vai além do texto e também no que cada um traz dentro de si.

No discurso jornalístico a participação do leitor é constantemente solicitada e é um modo de leitura que não é natural, é necessário desenvolver capacidades específicas de compreensão, criando estratégias diferenciadas de um ponto de vista semiótico e sociológico.

Martín-Barbero afirma que metodologicamente a possibilidade de situar o literário no espaço da cultura passa pela sua inclusão no espaço dos processos e práticas de comunicação. O modelo de enunciação jornalística implica em uma forma de escrever diferenciada marcada pela dupla exteriorização do efêmero e da constância que pede ao leitor uma fruição que rompa o isolamento individual – como na leitura literária – e a distância entre ele e quem escreve. É um processo comunicativo que, para cumprir seu papel, deveria ser um espaço de interpelação permanente por parte dos leitores.

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