Pensamento e palavra são dois processos conectados, mas a estrutura da linguagem não reflete simplesmente o pensamento. Não é suficiente entender as palavras para compreender a linguagem, para uma boa comunicação é preciso estabelecer empatia com o pensamento do outro, a necessidade de entender as motivações, aquilo que está atrás do que foi dito. A simples compreensão do significado das palavras não permite a consciência do discurso na sua totalidade, nas suas sombras, naquilo que não foi dito mas poderia ter sido ou está sendo comunicado.
O diálogo é um ato comunicativo em que o indivíduo deve ser capaz de fazer relações mentais, de usar o áudio e o visual, de ser capaz de diagnosticar a retórica e descobrir o sentido escondido nos discursos aos quais são expostos. O uso que cada um faz das suas capacidades intelectuais depende muito do desenvolvimento de uma forma de dialogar mais integrada e consciente.
Seguindo a evolução do pensamento de Vygotsky, podemos afirmar que a compreensão da linguagem é algo que requer não somente um esforço intelectual, mas também um trabalho emocional. A comunicação seria, portanto, um ponto de encontro entre a pessoa e o outro, entre o indivíduo e o meio. Já para Martín-Barbero, a comunicação também é um convite para estabelecer contatos com a cultura, ou seja, colocar também o literário, a escritura, a narrativa no espaço do diálogo é um exercício essencial de inclusão dos processos e práticas da comunicação.
Essa função da cultura na prática comunicativa, na opinião de Jurij Lotman, demonstra a necessidade de estabelecer relações entre o indivíduo em formação e a sociedade em desenvolvimento, e que podem acontecer de forma gradual ou explosiva. O problema que Lotman propõe é se esse sistema pode se desenvolver permanecendo fiel a si mesmo. O comportamento individual e coletivo exibem oposições reciprocamente necessárias, portanto a possibilidade de diálogo é quando existe respeito entre ambos, quando o indivíduo compreende e respeita a opinião da coletividade e, do outro lado, o coletivo acolhe e integra o indivíduo.
Para Lotman, a história da cultura de qualquer povo pode ser analisada como desenvolvimento imanente ou como resultado de várias influências externas. É uma narrativa, um espaço que se completa com a intrusão de vários elementos “casuais” provenientes de outros textos. A introdução em um sistema cultural de elementos do exterior dá ao seu movimento um caráter de linearidade e imprevisibilidade que enriquece e amplia o seu alcance.
Nas sociedade de cultura oral, por exemplo, se conservavam e transmitiam, de geração em geração, imensos extratos de informação. Escrever fez com que o diálogo se transformasse em algo supérfluo. Na era da informação, da tecnologia, o que tem perdido significado é a cultura do sonho, do desejo, do sentimento. A eliminação da cultura do sonho separa a palavra da realidade. O falar formou um campo fechado em si mesmo completamente independente. Na sua pesquisa Lotman faz referência ao modelo de comunicação de Roman Jakobson (emitente-texto/ língua-destinatário) para propor a intersecção do espaço linguístico, uma espécie de base natural para a comunicação, e nos remete à necessidade de pensar sobre o problema da tradução das enunciações que estão além dessa área conhecida do processo de comunicação.
A partir dessas reflexões, Lotman propõe o debate sobre a previsibilidade e a imprevisibilidade do processo comunicativo. O primeiro é caracterizado pela continuidade gradual e o segundo pela explosão. Apesar do antagonismo entre os dois processos, ambos são complementares. Os processos graduais são dotados de uma potente força de propulsão, como as descobertas científicas e as realizações técnicas. O problema da compreensão (e da incompreensão) da atividade criadora genial seria a distância que separa o momento da explosão de uma nova fase do desenvolvimento gradual que aparece. A interação entre os momentos de desenvolvimento gradual e a explosão pode ser identificada na dinâmica dos processos na esfera da língua e da política, da moral e da moda. Por isso é importante a combinação simultânea, em várias esferas da cultura, dos processos explosivos e graduais.
Reconhecer isso é enfrentar com determinação o estruturalismo tradicional em que o texto é considerado como um sistema fechado, autossuficiente, organizado de forma sincronizada. É representado de forma isolada não apenas pelo tempo, pelo passado e pelo futuro, mas também pelo espaço, público e tudo o que se situa fora do texto. Na análise semiótica, o texto é percebido como uma imagem parada, um momento fixado artificialmente entre o passado e o futuro. De forma não simétrica o passado se deixaria envolver em duas manifestações apenas: a memória direta do texto, encarnada na sua estrutura interna, na sua contradição inevitável; e externamente, como correlação com a memória além do texto.
Para obter essa relação de reciprocidade entre o individual e o coletivo, o autoconhecimento é o fator essencial na descoberta da comunicação como uma ponte entre a cultura e o indivíduo. É o extrato de compreensão da “realidade” que no seu conjunto forma a semiótica da cultura. O mundo da cultura deveria ser confrontado com o da natureza, entendido como espaço além da cultura, que envolve também a psique e a atividade humana. Referindo-se à tradição filosófica-poética do “duplo abismo”, Lotman se refere à interpretação da natureza dotada de harmonia mas com ânimo humano, inevitavelmente desarmônico em si mesmo. Seguindo uma série de referências aos comportamentos animais, ele conclui que, se de um lado o comportamento animal segue um ritual, aquele do homem é quase sempre imprevisível. De acordo com ele, um comportamento consciente não é possível sem escolha, e a consciência humana é a separação da palavra da coisa.
O texto é elaborado a partir da transformação do que foi visto e do que é narrado, aumentando assim o grau de organização. A comunicação parte sempre da narrativa, do que foi visto e entendido por um indivíduo e o que em seguida tentará reportar essa experiência para um outro indivíduo. O fato é explosão e a sua narrativa é a técnica gradual de compreensão. Quando o momento da explosão cria uma situação imprevisível, adverte Lotman, o acontecimento nos oferece um olhar retrospectivo sobre a realidade. O olhar do passado para o futuro e do futuro para o passado pode mudar o objeto observado. A partir do passado vemos o presente como um complexo de uma série de possibilidades prováveis. No passado, o real é fato e somos levados a ver nele a única condição. As possibilidades não realizadas, como em Hegel, se transformam para nós em possibilidade que fatalmente não poderiam se realizar e assim o evento verificado poderá ter diversas interpretações.
Na história da consciência, como demonstra Lotman, uma reviravolta foi o momento em que aparece a possibilidade de um intervalo temporal entre o impulso e a reação a ele (estímulo-reação). Uma nova fase que se inicia com o surgimento de uma fratura temporal entre receber a informação e a reação a ela. Uma outra fase é a transformação da reação da ação imediata ao sinal. A reação à informação se torna uma estrutura independente, apta a ser acumulada com mecanismos que se tornam sempre mais complexos e que se desenvolvem sozinhos.
É necessário relevar que a capacidade de ver no individual a variedade de uma cultura é parte do progresso da consciência. O “Eu” é um dos fundamentos indicativos da cultura, portanto Lotman nos propõe revirar as bases fundamentais da semiótica, a partir da ideia de que o ponto de partida de qualquer sistema semiótico seja não apenas o simples sinal isolado (a palavra), mas a relação entre os dois sinais. O sistema semiótico seria completado por um conglomerado de elementos, que se encontram nas relações mais diversas entre um e outro. A identificação do Eu com o Outro ou a divergência entre eles é o limite da autoconsciência e a capacidade da cultura, que estão se desenvolvendo desde o Império Romano com a intenção de conservar nas transformações a imutabilidade, e de tornar a imutabilidade uma forma de transformação. Esse modelo influiu nas características fundamentais da cultura europeia ocidental até os dias de hoje.
Ainda na linha de pensamento de Lotman vemos que a conservação da imutabilidade nas transformações depende da mediação entre os sinais da cultura. O paradoxo é que para permanecer imutável é preciso procurar de forma constante a transformação. Nessa troca semiológica não é o indivíduo o ponto de partida, mas sim o interesse de todos. A individualidade na sociedade contemporânea está, dessa forma, na origem dos processos de fragmentação. A insegurança provocada pela incerteza na imutabilidade dos acontecimentos e da realidade é um fator que leva cada relação entre espaços semióticos a se fragmentar. O pior ainda é não saber de qual forma os acontecimentos correspondem à realidade.
Após essa imersão na análise semiótica de Lotman, podemos nos sentir mais seguros para refletir sobre a questão da relação entre a linguagem e os meios de comunicação. Como a própria raiz semiológica indica, a mediação é a explosão quotidiana da cultura individual que se transforma em coletividade.
A fragmentação no processo comunicativo é indicativo do Eu que se submete ao coletivo e a redução das possibilidades de transformação é a fratura na autoconsciência que perde o seu lugar para oferecê-lo à opinião pública. Todas as ações intelectuais partem de um conceito: comparar, julgar, concluir são ações que se enfraquecem diante da generalidade. De acordo com Vygotsky, a partir do momento em que se alcançam níveis superiores de generalização e equivalência é mais fácil lembrar os seus pensamentos independentemente das palavras. O conceito do significado da palavra como unidade que envolve tanto o pensamento de totalidade como a troca social nos ajuda a explicar a relação entre o incremento da capacidade de raciocínio e o seu desenvolvimento social.
Entre as principais necessidades dos indivíduos na sua existência social está a capacidade de argumentar, de expor suas opiniões, de sentir que existe, que é real e que é ouvido. Por meio da explosão das percepções da realidade ocorrem as transformações que aparecem como opiniões, como comportamentos, como desejos de participação e produções individuais. A partir dessas transformações o indivíduo descobre que é consciente e que tem a capacidade de argumentar nas situações comunicativas com os outros – e também consigo mesmo. O desejo de argumentar, de debater, de dar a própria opinião é uma necessidade – e poderia até ser um direito – inalienável do ser humano.
No Mundo Antigo, o saber era objeto de um programa integral de cidadania, ser cidadão equivalia a dominar o saber argumentar, debater, ser capaz de convencer o outro com as suas opiniões. A retórica era o instrumentos das relações linguísticas entre os homens, argumentar era a possibilidade de comunicação.
No mundo atual, é a “cultura de base” que permite o desenvolvimento do interesse por uma visão pessoal do mundo e também o interesse em avaliar o enquadramento da realidade proposta pelos outros, procurando uma visão sempre mais global e mais geral da opinião que inclui e, por isso, também protege. O que conta atualmente também é a economia do pensamento, ou seja, a possibilidade de calcular e avaliar as formas de pensar, como estabelecer um discurso com o uso da analogia ou da comparação.
Para Hans-Georg Gadamer, a fenomenologia não deu um lugar de relevo para a linguagem mesmo se é evidente que não somente a razão, mas também a linguagem, ou seja, o caráter linguístico do homem (Sprachlichkeit), pode mostrar a pretensão de universalidade. A dimensão da consciência no pensamento especulativo colocado à disposição com a linguagem se amplia no sentido de incrementar a capacidade de associação das ideias. Foi ao ler as análises de Heidegger sobre Aristóteles que Gadamer percebeu que a definição clássica do homem não seria “ser vivente que tem razão”, mas um “ser que tem linguagem”.
As relações entre pensamento e linguagem são consideradas tanto na direção do cognitivo para o linguístico como no sentido oposto, isso porque a linguagem evidencia profundamente a constituição de outros estados e processos mentais e, além de ser um sistema de comunicação, se torna também um instrumento cognitivo. A pesquisa sobre o papel cognitivo da linguagem é em desenvolvimento, mas já sabemos que não é um bem gratuito, é necessário uma mente rica e articulada em estruturas, funções e, sobretudo, algumas formas de consciência.