Cognição e leitura do discurso jornalístico

Aprender a ler o discurso jornalístico não é uma ação individual. A troca de ideias, impressões, informações entre os diversos leitores é fundamental para uma estratégia de leitura aprofundada. A realidade como síntese do fato, expressa de forma deformada e incompleta, com a pretensão de narrar o quotidiano para a sociedade, uma atualidade que precisa ser desconstruída, analisada, criticada, superada na sua aparência, articulada com a totalidade socioeconômica e política, de forma a permitir que se manifeste uma outra realidade, pensada e construída anteriormente.

Cada meio de comunicação tem suas particularidades que também devem ser investigados e esclarecidos para um ato de ler consciente, descobrindo a existência ou não de uma tentativa de unidade na distribuição dos assuntos, nos valores, ideologias e estruturas econômicas, políticas ou sociais.

A psicologia dos processos cognitivos no aprendizado da leitura trata da percepção, da memória, da linguagem e do pensamento como processos em constante interação, termos que são da tecnologia da informação aplicados como parte de um sistema que recebe informações externas, que reconhece, seleciona, elabora, arquiva e recupera a partir de requisições internas ou externas. O ser humano é um sistema que elabora informações e justamente por ter essa qualidade foi capaz de desenvolver a tecnologia e os sistemas de informação, com elaboradores que conseguem dar mais velocidade e precisão, mas que não fazem nada que um cérebro humano não seja capaz de executar.

A compreensão de uma sequência verbal depende do controle da velocidade de entrada das informações no sistema de atenção-elaboração das informações na memória. O leitor pode dirigir a sua atenção de forma descontínua para partes diferentes do texto escrito, pulando, por exemplo, do título para as conclusões, relendo algumas partes ou seções do texto, parando sobre algumas palavras em especial, relendo várias vezes. Essas variáveis de um processo de leitura podem modificar a compreensão de um texto, são escolhas voluntárias qualificadas como estratégias de leitura, disponíveis para todo leitor que não tenha vínculos (ou limitações) de compreensão.

A compreensão, a percepção e a decisão são exigências mentais que as ciências cognitivas procuram organizar. A teoria da informação usa lógicas matemáticas para explicar o funcionamento do sistema nervoso e do raciocínio humano, encontrando portanto semelhanças entre o cérebro humano e o computador. No centro da hipótese cognitiva a noção de representação induz uma maneira de compreender o funcionamento do cérebro como um dispositivo de tratamento da informação que reage de forma seletiva com o entorno diante da informação que chega do mundo exterior.

A pesquisa nas ciências cognitivas, portanto, indica que as capacidades cognitivas são vinculadas não somente ao cérebro, mas também a um corpo. O ato de ler seria um sistema autônomo e circular. Para a neurolinguística, a leitura exige um sistema de memória que pode ser curta (Short Term Memory, STM) ou longa (Long Term Memory, LTM). Diante da fragmentação da comunicação, os sistemas de memória são essenciais para compreender como o fenômeno se apresenta. Na LTM a percepção da palavra deriva sempre de um processo de construção que requer atenção e tempo, enquanto as informações que chegam devem ser confrontadas com outras já presentes em um sistema de memória diferente. No STM a capacidade de arquivar na memória a informação é mais limitada porque se atém à compreensão global dos processos de representação semântica das frases.

A construção do significado na leitura depende do uso da memória. As produções linguísticas na memória curta representam a ortografia, a fonologia, a sintaxe, a semântica, a pragmática, a estrutura do discurso, o esquema do contexto, o conhecimento dos fatos. A memória longa ativa representações de características físicas, palavras, significados, funções gramaticais, frases, unidades textuais, contexto do discurso. A dinâmica dos processos de leitura é explicada com a pesquisa sobre a duração da fixação ocular, a rapidez da leitura e a probabilidade de rever depois de um certo intervalo.

A compreensão e a memorização das informações na leitura do discurso jornalístico parte da organização do texto na memória em dois níveis, micro e macro linguístico. Os fatores micro operam no nível da frase e os macro são a estrutura semântica total que constitui o tema do texto. Foi empiricamente confirmada a possibilidade de prever, com uma boa aproximação, submetendo os textos a procedimentos de análise linguística textual, partes do texto que podem ser mais facilmente e integralmente lembradas. Podemos usar, portanto, os conhecimentos adquiridos na psicologia dos processos cognitivos para descrever o processo que leva ao arquivamento em LTM somente de uma parte da informação do texto.

No caso do texto jornalístico, títulos, subtítulos, subtextos devem ser avaliados no processo de arquivamento das informações na memória. Na prática habitual de leitura do jornal, observou Carlo Cipolli, em tempos breves e relativamente fixos, como no ônibus ou durante o café da manhã, ocorrem repetidas inspeções visuais para identificar os artigos interessantes nas várias páginas, enquanto os textos são verdadeiramente lidos só uma vez ou nem são lidos, somente os títulos.

Assim como os títulos, as fotos, os gráficos, as frases relevantes tem essa função de oferecer a informação mais rapidamente ao cérebro. A sua utilidade, no entanto, para compreensão do discurso é maior para as pessoas menos instruídas, enquanto que para as pessoas com maior nível de instrução o arquivamento de informações LTM é maior. Portanto a eficácia informativa e os efeitos persuasivos da leitura dependem da avaliação das exigências do leitor e dos conhecimentos precedentes. 

A hipótese explicativa mais usada é a diferença de conhecimentos (Knowledge gap hypothesis). A falta de leitura seria ao mesmo tempo causa e efeito de uma diferença crescente entre informações e conhecimentos entre os indivíduos de diferente status socioeconômico. De acordo com essa hipótese, os segmentos da população com maior acesso à informação se tornariam cada vez mais ricos, enquanto que aqueles mais pobres permaneceriam no mesmo nível. A diferente posição de partida seria estabelecida sobretudo pela instrução, já que ela cria uma persistente permeabilidade à informação. Existem também os leitores atípicos, aqueles que não buscam a leitura não por um baixo nível de escolaridade, mas por considerarem supérfluo e desinteressante.

A oportunidade de desenvolver o interesse pelo discurso jornalístico deriva da diferenciação seja de níveis de aceitação-legitimação do sistema político-social (a comunidade, o regime, os atores políticos), de fases cruciais de necessidade de informação para tomar decisões, cada uma com conteúdos bem precisos e mecanismos especiais de influência social (lealdade de base, representação das relações sociais, aquisição de orientações políticas), além de fases no desenvolvimento dos processos cognitivos mais diretamente ligados à socialização política. Na adolescência, quando se completa a evolução global dos processos cognitivos, se deveria realizar também o aprendizado das conotações institucionais do sistema social e se deveria completar a aquisição das habilidades intelectuais que permitem a uma pessoa se tornar sujeito político.

A alfabetização para o discurso jornalístico depende, portanto, muito do grau de responsabilidade social. Algumas informações são mais construtivas que outras e essa é uma perspectiva multidimensional baseada na análise dos conteúdos e da vida cotidiana. Não é simples reconhecer o impacto e a influência do jornalismo na vida das pessoas. É um aprendizado que leva em conta as constantes transformações sociais. Uma teoria social do aprendizado deveria investigar o quanto a mente faz associações mais complexas que a tradicional associação entre símbolos e definições dos vocabulários. Cada mente processa os símbolos de forma diferente e nesse sentido os modelos cognitivos procuram fazer com que o mundo individual seja mais consistente, elaborando habilidades de análise das mensagens de comparação e avaliação, tornando mais eficaz a habilidade de generalizar e sintetizar, desenvolvendo a perspectiva cognitiva-emocional.

No modelo cognitivo, a necessidade de informação não é uma característica inata porque depende do grau de interesse e identificação com o conteúdo, o nível de desenvolvimento intelectual e fatores sociológicos. A principal responsabilidade é o reconhecimento individual da sua importância enquanto ator social ativo na sociedade para a democracia, o que faz o indivíduo desejar a informação para se sentir mais produtivo socialmente. Para conseguir ser adequadamente alfabetizado ao discurso jornalístico, esse indivíduo, nas pesquisas realizadas por Potter, deve desenvolver as habilidades de análise, avaliação, agrupamento, indução, dedução, síntese e abstração em relação ao texto.

Nos Estados Unidos, esse modelo de alfabetização midiática foi desenvolvido principalmente pelo “Media Education Lab”, da Temple University. Inicialmente  a proposta era proteger os estudantes dos efeitos nocivos dos meios de comunicação, mas após anos de estudo e pesquisa em intercâmbios com o “Institute on Media Literacy” de Aspen e o “Harvard Institute on Media Education”, chegou-se a conclusão que era preciso sistematizar e dar organicidade ao aprendizado das técnicas de leitura e fruição das informações, e não combatê-las. 

Neil Postman defende que esse método deveria ser aplicado em todo o ambiente escolástico, no sentido de que ensinar, por exemplo, a biologia de hoje, sem ensinar o que se sabia antes significa reduzir o aprendizado a um ato de consumo. Seria privar os estudantes do sentido do que se conhece e de como se conhece. Postman vai além, dizendo que seria como ensinar o átomo sem falar de Demócrito, ensinar a eletricidade sem citar Faraday, ensinar ciências políticas sem lembrar de Aristóteles ou Maquiavel, ensinar música e ignorar Haydn, significaria privar a humanidade das suas raízes, o que parece hoje não interessar a quem detém a distribuição da informação. Se aprendemos a linguagem da história, da matemática, da geografia, nos tornamos seres mais complexos e competentes, não podemos aprender uma nova forma de conduta se não mudamos nós mesmos.

A memória precisa ser valorizada nos processos cognitivos como recurso de sobrevivência da humanidade, não somos capazes de lembrar de tudo, mas podemos desenvolver as habilidades de procurar, investigar, propor percursos para chegar ao conhecimento. Maria Montessori dizia que o que torna mais vigorosa uma inteligência  não são as experiências em si mesmas, mas os rastros que elas deixam na memória.

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