A educação tradicional é o elemento indispensável para usufruir dos meios de comunicação. Educar é também uma responsabilidade em relação ao outro, é uma forma de aproximar o outro da realidade. Ensinar não deveria nunca ser um ato cínico de indiferença.
No conceito de responsabilidade de Emanuel Levinas essa responsabilidade em relação ao outro não inclui a reciprocidade, mas solicita como condição a ética e a moral, que devem ser cultivadas independentemente. Um comportamento responsável é o que nega o cinismo como forma de existência. Ou seja, ser responsável seria ser prudente, realista, mas seria uma recusa ao cinismo, ao individualismo, ao dar de ombros ao problema alheio. O cinismo cega, não permite ver nem procurar a verdade.
A essência da doutrina cínica, que é um movimento iniciado por Diógenes (III A.C.), era o afastamento dos bens mundanos e a concentração na virtude como um único bem digno. A vida de Diógenes era primitiva com a de um cão, daí vem a palavra “cínico”, que deriva de “canino”. Na prática passou a ser reconhecida como uma atitude oportunista diante da vida. E esse é ainda o desafio que enfrentamos atualmente nas relações humanas, o cinismo emperra as interações.
A cada dia estamos mergulhando em uma sociedade mais articulada e complexa em que a interação social é imprescindível para o desenvolvimento cognitivo. É nessa capacidade de conexão das informações que aparecem de forma fragmentária na nossa existência cotidiana que se esconde o privilégio da era da informação. Não é simplesmente aprendendo conceitos que se pode entender o mundo, são necessárias diversas operações intelectuais. Sobreviver com dignidade nas sociedade complexas depende da habilidade de organizar os sistemas de conhecimento.
O limite de renda, o ambiente social e a preparação cultural influenciam também na forma de receber o conhecimento. Os efeitos sociais das mídias são relevantes em todos os sentidos e devem sempre ser considerados quando pensamos na forma de organizar os conhecimentos. A linguagem pode ser um instrumento de transformação da realidade ou simplesmente um instrumento cotidiano de organização do saber, mas a responsabilidade de quem transmite a informação é de nunca esquecer que palavras ganham significados diversos em mentes diversas.
A escola não pode mais ser espaço somente de aquisição de conteúdos, deve desenvolver o seu potencial de desenvolvimento da criatividade e da sistematização. Apesar de organizar o conhecimento em sistema, a escola não tem oferecido estratégias para usar a habilidade necessária para superar a fragmentação da linguagem – e consequentemente da informação.
O cérebro assimila novos sinais físicos, procura encontrar um sentido nesses sinais se esforçando em identificar uma ligação entre aquilo que já é conhecido. Para uma educação eficiente é necessário a promoção da autoestima e o acesso à informação, que depende muito de fatores externos ao ambiente da escola. Um estudante sem uma formação sólida não consegue colocar a informação no seu contexto e encontra dificuldade para organizar de forma sistemática os dados recebidos quotidianamente.
Mas é a partir da organização da informação no cérebro que se pode advertir a forma em que compreendemos as informações e as transformamos em conhecimento. É o primeiro passo para avaliar o papel da linguagem na construção do saber. Aprender faz aparecer resultados físicos na reorganização do cérebro, os neurônios e as suas ligações são as manifestações físicas do conhecimento e estão conectados um no outro por meio de sinapses. A qualidade e a quantidade da informação adquirida por cada indivíduo refletem na estrutura do cérebro e, portanto, no seu comportamento e potencial de aprendizado.
Pesquisas diversas tentam entender de que forma o cérebro trabalha em relação à linguagem, como as teorias de Noam Chomsky sobre o que é inato, o sistema modular de Jerry Fodor ou as conexões de Domenico Parisi. O sistema modular prevê uma estrutura da mente, uma arquitetura cognitiva, que se relaciona aos sistemas de análise de entrada, percepção e linguagem, em estruturas verticais (os módulos) que transformam as informações que entram em representações. Essas representações são oferecidas pela parte central do sistema cognitivo e constituem as componentes primárias da estrutura do pensamento. Por outro lado, o modelo de conexões prevê uma arquitetura mental caracterizada por um forte paralelismo, sem possibilidades de distinguir entre “lugares” mentais destinados a operações diversas. A implementação típica desse modelo é a rede neural. A estrutura mental, de acordo com o modelo de conexões, prevê uma arquitetura horizontal.
A estrutura do cérebro ao aprender absorve sinais físico do mundo externo, integra esses sinais em modelos significativos e faz aparecer ações em forma de linguagem ou movimento. Ensinar é a arte de transformar o cérebro ou a ciência aplicada ao cérebro. A experiência concreta tem uma relação direta com a observação que vem depois de uma reflexão e, em seguida, com a formação da hipótese abstrata e, por fim, leva à atividade de falar e escrever.
Aprender é, portanto, consequência da transferência de experiências anteriores que se somam à nova informação recebida. O principal problema é que muitas vezes o conteúdo, mesmo sendo compreendido, não é usado como conhecimento além do contexto. É necessário, portanto, desenvolver a capacidade de expandir o uso do conhecimento e assim o indivíduo é mais capaz de usar a informação também na mudança de contexto.
Essa ação depende do uso dos dois lados do cérebro, um que recebe, lembra e integra a informação e outro que age, modifica, cria e controla. A educação deveria capacitar todos os indivíduos para criar e desenvolver seus próprios aprendizados, para poder escolher e selecionar por meio da imaginação as possíveis respostas que damos às mudanças contínuas que são produzidas. A educação deve proporcionar a formação necessária para que os alunos possam interpretar e refletir sobre a informação que recebem.
O desenvolvimento da linguagem e os seus usos sempre levaram em consideração a capacidade criativa. A competência comunicativa é capaz de assimilar essas transformações com a rapidez necessária. Mas o mesmo não acontece com a educação. Se de um lado são criados constantemente novos recursos no âmbito da comunicação, cada vez mais refinados, visando as interrelações humanas, na educação os métodos de apoio aos processos de ensinar e aprender promovem apenas reformas que são assimiladas com muita dificuldade.
A consciência é resultado de como entender a situação atual do mundo circunstante, dos conteúdos da nossa memória operativa e o quanto foi requisitado à nossa memória a longo prazo. Tudo isso se apresenta perfeitamente integrado e absolutamente natural. O lado mais impressionante do fenômeno da consciência é talvez a sua unicidade. O poder da linguagem se esconde na “gramática narrativa” que uma pessoa é capaz de desenvolver. É essa a capacidade de ordenar as informações, articular o pensamento e de conseguir compreender não somente a generalidade dos fatos, mas de ser capaz de perceber com exatidão os significados.
O aprendizado da linguagem é um movimento mais exigente que aprender a ler ou escrever, porque é também aprender a navegar no inconsciente. O indivíduo é capaz de trabalhar com a complexidade, um conceito que se articula no constante ir e vir das ideias, da capacidade integradora dos pensamentos, do controle das próprias ações, controle que leva o homem a ser, portanto, mais consciente. Essa é a importância de ter o domínio da linguagem como recurso para adquirir o poder da própria existência, ser consciente desse papel é essencial.
Os seres humanos tendem a lembrar o significado geral das histórias, mesmo brevíssimas, mais do que a sua formulação exata. O significado e os esquemas interpretativos globais exercitam um papel primário de orientação e integração sobre os elementos perceptivos. A cultura e a história exercem sobre cada indivíduo a possibilidade de expansão da memória, mas a nossa mente não é totalmente livre para criar um mundo todo seu, seja pelos limites naturais seja porque é organizada e condicionada pelas interações com o pensamento coletivo no qual se encontra imersa.
A individualidade do pensamento e a unicidade do comportamento, no sentido de se integrar entre aquilo que se sabe e aquilo que se deseja fazer, é um comportamento submetido muitas vezes às tensões do grupo. Aprender a traduzir essas intromissões da coletividade em um elemento a mais para adquirir independência intelectual é outro elemento essencial para sobreviver dignamente na sociedade da informação. Não ser arrastado pelo fluxo das redes sociais, não ser submetido à opinião dos principais meios de comunicação.
Até que ponto o nosso cérebro é capaz de trabalhar por associações, ou seja, se estamos aptos a navegar entre as nossas informações e aquelas dos outros sem nos perder. Mas é somente com a experiência do uso, do contato com os outros, da prática da experimentação que se pode ampliar essas funções do cérebro.
Uma estrada totalmente diferente para refletir sobre o desenvolvimento da aquisição da linguagem foi aberta por Lev Vigotsky, entre os anos 1960 e 1980, indicando uma teoria social da consciência e do aprendizado. O desenvolvimento das “funções mentais superiores” dependeria dos instrumentos e sinais linguísticos e semióticos que servem como intermediários nos processos psicológicos e sociais. Aprender é um problema de aquisição de códigos simbólicos socialmente e historicamente definidos. Não é simplesmente descobrir coisas novas. Nem mesmo receber passivamente informações novas. Existem tantos saberes científicos quanto saberes espontâneos.
A verdadeira noção de conceito científico implicaria em uma relação com outros conceitos, ou seja, a definição de um lugar dentro de um sistema de conceitos. O seu argumento é que os instrumentos usados para criar os sistemas na cabeça das crianças se desenvolvem antes através do contato com os conceitos científicos e são depois transferidos aos conceitos do cotidiano, mudando na totalidade a sua estrutura psicológica.
Imaginamos quase tudo antes de viver. Esses preconceitos incidem diretamente na nossa percepção da realidade. A partir do momento que são estimulados, inundam nossa mente de antigas imagens ou referências, e projetam no mundo aquilo que a memória ressuscitou.
O hábito de imaginar e criar são práticas desenvolvidas no cotidiano. Na maioria das vezes são atividades involuntárias e, quase sem notar, construímos um mundo nosso, feito de fragmentos de nossas recordações, de novas informações apenas recebidas e de uma capacidade intrínseca de produzir significados através dos sinais capturados pelo cérebro. Consequentemente, não há dúvidas de que cada indivíduo é um construtor ativo da própria vida intelectual. Apesar disso, existem obstáculos que podem atrapalhar essa atividade produzindo indivíduos menos disponíveis para usar de forma eficiente essas atribuições. Estamos diante de indivíduos que parecem não valorizar as próprias qualidades intelectuais e economizam na aquisição do conhecimento. A escolha por essa “economia” provoca um empobrecimento da vida humana e, quando se torna um movimento de massa, produz um empobrecimento geral da sociedade.
Se essas capacidades não são bem aproveitadas durante a infância e a adolescência, ressaltando o papel da família e da escola, o adulto sentirá no futuro essa “economia do conhecimento” ao qual foi submetido. Mas não nos referimos apenas ao saber clássico, é uma referência principalmente aos valores, ideologias, expectativas ou desejos. Esse empobrecimento é identificado no consumismo, no desinteresse pelas questões políticas e sociais, no individualismo, na violência, na intolerância. Não são as horas passadas na frente da televisão, do computador ou do telefone o real problema, mas a recusa em dar significado a essa experiência de forma consciente. Não é nem mesmo o fato de não ler jornais ou livros. O problema é fazer sem consciência, sem nunca refletir porque agiu de um jeito ou não de outro. Isso é substituir a realidade com a experiência simbólica.
Neil Postman nos lembra que a fonte do nosso poder de falar é o hemisfério esquerdo do cérebro, é ele que põe em categorias as coisas, dá nome e objetividade às nossas experiências. Esse desenvolvimento da parte esquerda do cérebro gerou a nossa capacidade, exclusivamente humana, de consciência, ou seja, a nossa capacidade de reconstruir o passado e nos projetar no futuro. O que vivemos agora pode ser a inversão dessa tendência porque a palavra perde importância e a imagem rápida, antes analógica, agora digital, vai substituindo essa representação.
O pensamento e a linguagem, que refletem a realidade em uma forma diferente da percepção, são a chave da natureza da consciência humana. As palavras têm um papel especial no desenvolvimento do pensamento e do conhecimento. A palavra é um microcosmo na consciência humana, dá poder, é instrumento de transformação, de escolha e de respeito à individualidade intelectual.
A linguagem pode modificar as relações humanas, os comportamentos e a construção de conhecimentos e valores. A liberação de limitações psicológicas que restringem a uma prestação limitada e permitem desenvolver a faculdade de interpretação. Na teoria de Jerrold Katz sobre a filosofia da linguagem é formulada uma hipótese sobre a natureza de um mecanismo finito de produção infinita. Esse modelo deriva de processos nos quais um orador interpreta cada uma das produções sintáticas dentro de uma composição cujo significado de cada parte de uma frase é obtido em função do significado das partes.
A função criativa depende do conhecimento de normas analíticas, da capacidade de refletir de forma a definir a veracidade das atribuições de uma composição, diria Kant na sua teoria analítica que foi esmiuçada por Gilles Deleuze. A análise da estética kantiana demonstra que o acordo entre as forças da imaginação, intelecto e razão é realizado a partir da subordinação. Essa hierarquia não é natural, a partir do momento que essas faculdades entram em diferentes relações entre elas, então um acordo de subordinação é oferecido somente se é possível um acordo livre. A hierarquia pressupõe uma liberdade de relação, em outras palavras, um “jogo livre” entre as faculdades. Nesse jogo livre podemos pensar tanto no acordo quanto no desacordo, no contraste ou na subordinação das faculdades do espírito.
A imaginação tem um papel essencial ao nos permitir pensar além dos nossos limites intelectuais. Imaginar é transgredir os sistemas complexos, culturais e linguísticos que nos levam indiretamente a agir e não somente reagir às informações. O silêncio escondido nas palavras é o início de todas as modalidades de conversação, mas a comunicação é ainda a maior possibilidade de conhecimento permitida a todos.