Para fazer diferente, é preciso antes de tudo conhecer muito bem a realidade diante de nós. E ter domínio dos meios de comunicação onde se elabora e se difunde a informação é um dos primeiros passos para a compreensão do papel dos meios de comunicação na sociedade e a sua influência. A realidade proposta revela uma verdade que tende a nos irritar mais que satisfazer as nossas ânsias por informações. Também porque a informação, logo após ser veiculada, como observa Niklas Luhmann, se torna uma não-informação. Isso aprofunda a nossa sensação de nada conhecer ou de que existem muitos saberes a serem conhecidos. Os meios de comunicação desfrutam dessa irritação porque é uma forma de nos manter fiéis a eles. Na esfera pública de Habermas – onde se ampliam as nossas possibilidades de compreender a realidade – a semântica da verdade desenvolve a tese de que o significado de uma proposição é determinada pela sua condição de verdade.
A verdade e a realidade são conceitos que dependem muito de como o saber foi assimilado e registrado pelo indivíduo. Se ele é capaz de avaliar as informações disponíveis na sociedade poderia ser mais fácil estabelecer parâmetros que aproximam o dado comunicado à noção de realidade ou de verdade. Para cumprir essa ação o indivíduo tem necessidade de uma transferência de saber que vem fundamentalmente da educação recebida e é consolidado nas suas relações sociais, seja em família ou na coletividade em que se encontra.
Esse modelo de educação ao qual nos referimos parte do pressuposto que devemos lutar contra a exclusão cognitiva, uma característica das sociedades ocidentais atualmente. Não temos necessidade apenas de cultura técnica ou tecnológica, nem mesmo apenas do conteúdo, muito importante para os que defendem que um pensamento suscite um outro pensamento e assim se manifeste uma relação de comunicação. O desespero do não conhecimento leva à exclusão porque falta a palavra e a linguagem é incompleta, irrita. Mas, como advertia Santo Agostinho, não devemos ter o desespero sem saída nem mesmo a esperança sem fundamento. Ser propositivo diante do caos, em relação à teoria da comunicação, é uma forma de enfrentar o problema de forma digna, oferecendo a educação ao desenvolvimento – e à inclusão – por meio da educação aos meios de comunicação.
De acordo com Ismar Oliveira Soares, que no Brasil pensou no nome Educomunicação para enfrentar essa questão, um conjunto de ações inerentes ao planejamento, implementação, avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais e melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo aquelas relacionadas ao uso dos recursos da informação no processo de aprendizagem. A exclusão impossibilita a comunicação, como sabemos somente aquilo que se percebe, percebemos só o que se conhece, a falta de conhecimento não permite a comunicação.
O foco da discussão é como os indivíduos são capazes de avaliar e usar as informações de forma crítica, com o objetivo de transformar em conhecimento. Compreender os sentidos da cultura dos meios de comunicação e dos processos de comunicação na cultura, ou seja, antes de saber como usar os meios de comunicação é necessário saber o motivo do seu uso. Entre os anos 1970 e 1980 se falava de leitura crítica, a Teologia da Liberação, no Brasil, também trazia essa questão à tona. A partir dos anos 1980 as teorias da recepção se tornaram o fundamento das pesquisas no setor e se ampliou o debate sobre a necessidade de “gestores de processos comunicacionais”.
O debate sobre a ação comunicativa no Brasil se refere sempre à questão da cidadania, porque a comunicação é vista como um bem social e, em consequência, o debate caminha em direção à necessidade de políticas públicas em que o conceito de “educomunicação” é defendido e colocado em prática. Depois das primeiras discussões que propunham a defesa dos indivíduos contra os efeitos nocivos dos meios de comunicação na Itália, o movimento tomou outro caminho e hoje, como explica Roberto Giannatelli, defende uma atividade educativa e didática da escola (mas não apenas da escola) com a finalidade de desenvolver nos alunos uma informação e uma compreensão crítica sobre a natureza, a linguagem, as categorias e os gêneros dos meios de comunicação, as técnicas usadas para construir as mensagens e produzir sentido. São analisados também os condicionamentos que os meios de comunicação sofrem por parte dos fatores econômicos, políticos e ideológicos e o impacto que eles têm sobre o público. A Media Education, como é conhecida na Itália, é portanto uma política pública para a cidadania.
Os estudos sobre a recepção das mensagens dos meios de comunicação tentam demonstrar qual é o grau de suscetibilidade ao qual estamos expostos, como somos influenciados pelos nossos hábitos e consumos. Nas sociedades em desenvolvimento existe um círculo formado por consumidores e cidadãos. O problema, portanto, não é o excesso de informação, mas a sua fragmentação. Na capacidade de montar esse quebra-cabeça, a partir da amplificação do saber enciclopédico e do desenvolvimento de estratégias e táticas de compreensão.
Mudou a natureza do saber, avisa Jean-François Lyotard. Podemos circular pelos novos canais apenas se é conhecimento que pode ser traduzido em quantidade de informação. Os “produtores” do saber, assim como os seus consumidores, devem dispor dos meios para traduzir o que eles veiculam e compreender a troca. O saber se tornou a principal força produtora, algo que mudou a composição dos países desenvolvidos e é o gargalo dos países em desenvolvimento (capacidade produtiva contra atraso). Na sua forma de mercadoria-informação, indispensável à potência produtora, o saber é e será sempre um entre os principais estágios, ou até mesmo o mais importante, da competição mundial pelo poder. Se os potentes lutaram antes para dominar territórios e controlar o acesso e o aproveitamento das matérias-primas e da mão de obra barata, agora vão brigar para dominar a informação.
Não ser apenas um consumidor de informação, mas um agente com capacidade produtiva para comunicar. Esse problema se reflete tanto na qualidade do serviço dos produtores oficiais do material comunicado quanto na competência para usar os dados oferecidos, recusando ou aceitando as propostas ou simplesmente usando no quotidiano as informações recebidas. A falta de instabilidade institucional se reflete nos meios de comunicação porque eles são os espelho da estrutura social.
Como ressalta Juarez Bahia, apesar do grau de eficiência alcançado, do ponto de vista da demanda de informação – estrutura da notícia, compromisso moral, responsabilidade social, etc. -, o jornalismo brasileiro ainda deve vencer patamares éticos para satisfazer exigências do público e da sociedade, como acontece nos países de maior tradição democrática.
A prática de comunicação poderia ser também uma forma de avaliar o grau de ética e estabilidade das instituições de uma determinada sociedade. É necessária a consciência da diferença ética entre um sistema pouco controlado pela sociedade, visto que existe uma falta total de instrumentos de decodificação das informações veiculadas e também das possibilidades de tradução por parte do público. Desenvolver a capacidade de relacionar os dados, ordená-los e transmiti-los. Saber qual caminho pegar e deixar rastros, como na história do Pequeno Polegar, mas sabendo como reconhecer o caminho de volta pra casa não deixando pistas frágeis como miolo de pão, que os passarinhos do bosque logo vão atacar, mas distribuir saber, um bem conquistado que revela muita resistência ao tempo e as dificuldades.
Todos os espaços são comunicativos, mas são muito desiguais. As estruturas de dominação são múltiplas, mas pode-se dizer a sua expressão privilegiada se encontra na frustração que impede de “falar”, dizer o que se pensa e o que somos. A “palavra geradora”, na terminologia de Paulo Freire, dá estímulo para aprender, é uma espécie de uso da palavra que vai além da sua significação semântica, que ultrapassa a sintaxe e caminha para o nosso “saber enciclopédico”. É a capacidade de dar novos sentidos recriando o presente e construindo o futuro, ultrapassando os limites da “cultura do silêncio” que, de acordo com Freire, plasma a mentalidade e os comportamentos. A palavra geradora assume um papel de mediação, onde a consciência de uma racionalidade econômica globalizada e justiça social caminham juntas.
Relações sociais mais democráticas dependem do grau de compreensão política, de desejo de superar situações de submissão a uma cultura dominante para ter um papel ativo e libertário. É necessária a participação dos mediadores para essa transição, os intelectuais. A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediato, mas “mediado” em vários graus por todo o tecido social. No caso da comunicação, são os “gestores dos processos comunicativos”, que devem cumprir duas funções básicas, o desenvolvimento de trabalhos em educação para a comunicação e o diagnóstico, implementação e avaliação de programas de comunicação. No Brasil especialmente o desnível entre as pessoas e as instituições é resultado da assimetria no acesso e na compreensão da informação disponível na sociedade e consequentemente na capacidade de agir e reagir para usufruir dos seus benefícios.
A gestão dessa imensa quantidade de informação depende da capacidade de compreender hábitos e formas de agir que se adaptam a essa “ecologia dos sinais”. Sobreviver em novo habitat, o ecossistema comunicativo, significa descobrir quais são as novas estratégias e táticas necessárias para enfrentar esse desafio. São novas dimensões de cognição que devem ser aproveitadas, são estratégias não somente de difusão ou recepção das informações, o que Pierre Lévy chama de “tecnologias intelectuais” e que pedem estratégias de conhecimento, ou seja, ampliação sistemática da capacidade de uso do saber. O poder público deveria mostrar interesse pelas políticas de comunicação porque a transformação não acontece somente com o acesso à informação, é necessário também apresentar práticas responsáveis do poder da capacidade de comunicação.