Educação aos meios de comunicação

A essa altura estamos diante de um problema filosófico da linguagem e da relação desigual entre as pessoas. Com a linguagem se apresentam novas possibilidades de descoberta e compreensão. Linguagem e desigualdade. São esses dois pontos que pretendemos ligar nessa pesquisa usando a Educação aos Meios de Comunicação.

Nas pesquisas semióticas de Jurij Lotman, a reflexão sobre o processo de escritura demonstra que a enunciação nos meios de comunicação não tem o aspecto fechado de um livro, mas sim a porta aberta, como o jornal ou a revista. É uma forma de escritura que coloca em evidência uma dupla exterioridade da periodicidade. Essa forma de escrever corresponde até mesmo a uma forma de leitura que rompe o isolamento e a distância entre quem escreve e quem lê. Na prática da escritura jornalística, de acordo com esse raciocínio de Lotman, abre-se um espaço no qual o produtor do texto jornalístico é constantemente interrogado pelos seus leitores. Nesse ponto o conhecimento do leitor é essencial para estabelecer essa relação de forma que a informação possa cumprir o seu objetivo.

Partindo do princípio que tanto as funções cognitivas como aquelas comunicativas da linguagem têm uma influência direta na estrutura do pensamento, concluímos que o poder da organização das informações no cérebro é um processo lento e constante, que deve ser desenvolvido pelos estímulos externos. Como adverte Ferretti (2005), só tem sentido falar da função cognitiva da linguagem apenas se já tem à disposição uma linguagem. A linguagem, porém, não está entre as decorações do mundo que podem ser adquiridas gratuitamente; para ter uma linguagem é necessário dispôr de uma mente rica e articulada: estruturas, funções e, sobretudo, algumas formas de conhecimento. A questão a ser estabelecida é quanto e o que se deve conceder à mente antes do advento da linguagem: a nossa ideia, como deveria ser evidente a essa altura, é que devemos ser dispostos a fazer concessões se a linguagem é o resultado que se pretende alcançar.

Em um certo sentido é a formação intelectual (ou cognitiva) que determina a performance da linguagem no indivíduo e na sua relação com o outro. Na opinião de Domenico Carzo, o que liga dois atores, ou melhor, o que os identifica como tais, é um determinado sistema de expectativas que regula a interação comunicativa, por isso a formação do indivíduo tem uma relação direta com a condição de comunicação. Como foi visto anteriormente, a transmissão da hereditariedade cultural é ainda menos conhecida que aquela da hereditariedade econômica.

A hereditariedade cultural depende fundamentalmente das capacidades de comunicação dos indivíduos, e é definida e medida menos precisamente que a hereditariedade econômica e é obviamente menos observável. A hereditariedade cultural se realiza ao longo do processo de educação, nas mil e umas interações da vida quotidiana, dentro do círculo familiar mas também nos aspectos de sociabilidade que se tem a partir da família. Por isso a questão que a teoria da comunicação deve enfrentar é também da competência comunicativa entre os indivíduos nas famílias e no grupo. Nesse modelo etnográfico de análise da comunicação, a escola se torna o lugar de transferência da hereditariedade cultural em competências comunicativas.

Somente ler e escrever não corresponde mais às necessidades de um cidadão contemporâneo, visto que se deve levar em consideração a linguagem mais complexa da transferência de informação através dos meios de comunicação. A escola assume uma outra função, que é educar aos meios de comunicação. Na opinião de Pier Cesare Rivoltella, o processo de educação aos meios de comunicação é o conjunto de políticas e de ações inerentes à planificação, à atuação e à verificação de processos e produtos destinados a criar ecossistemas comunicativos nos ambientes educativos “em presença” ou “virtuais”. Entre essas ações se incluem de preferência o estudo sistemático dos meios de comunicação e o esforço para melhorar o coeficiente expressivo e comunicativo das ações educativas incluídas aquelas destinadas à utilização dos meios de informação no processo de aprendizagem (media literacy).  O conceito de educomunicação tem um caráter interdiscursivo e interdisciplinar no seu impacto teórico e um caráter multicultural na sua intervenção social.

De acordo com Rivoltella, são três as hipóteses de relação existente entre a comunicação e a educação: 1. A perspectiva da plena autonomia entre os dois campos. Uma corrente funcionalista acredita que os dois campos sejam predestinados a desenvolver papeis diversos e, muitas vezes, até mesmo contraditórios entre eles; 2. A perspectiva da aliança estratégica entre os dois campos. A troca recíproca de serviço. Alguns momentos de colaboração aproximam os profissionais dos dois campos, por exemplo, o ensino à distância e a produção de programas educativos por parte dos grandes meios de comunicação; 3. A perspectiva da emergência de um novo campo. A emergência de um novo profissional, cujo perfil acontece na ação comunicativa nos espaços educativos e/ou nos meios de comunicação.

E os professores, no caso da educação aos meios de comunicação, devem assumir a identidade dos protagonistas dos processos de educomunicação, ser um guia nesse percurso. De acordo com Gènèvieve Jacquinot, os educomunicadores são professores que sabem integrar os diversos meios na sua prática educativa. Esse novo profissional tem a habilidade de trabalhar a partir de conceitos e metodologias de intervenção social que mantêm juntos a comunicação, a educação e as tecnologias da informação. É sua função ampliar o coeficiente comunicativos das ações humanas. Os pressupostos desse modelo educativo são:

  • uma teoria da ação comunicativa que privilegia o conceito de comunicação dialógica
  • uma ética da responsabilidade social para os produtores culturais
  • uma escuta ativa e criativa por parte dos destinatários
  • uma política que propõe a utilização dos meios de informação de acordo com os interesses dos sujeitos que intervêm no processo de comunicação (produtores, instituições intermediárias e consumidores de informação) com o objetivo de ampliar os espaços de expressão.

O maior conflito foi e é ainda aquele entre a tendência das autoridades de governo (que procuram a manutenção dos atuais ordenamentos) e o impulso das organizações dos meios de comunicação em direção a uma liberdade de expressão ilimitada. McQuail coloca em relevância que existe uma disputa entre os que defendem as posições elitistas sobre o conceito de “bem” na cultura, geralmente os defensores do papel educativos dos meios de comunicação, e aqueles que vêem, ao contrário, os meios de comunicação sobretudo em termos de entretenimento e de indústria do espetáculo. Na base do contraste entre as duas posições está o caráter inconciliável entre o modelo do serviço público e o modelo da livre iniciativa de empreendimento.

Para fazer de um outro modo é necessário, antes de tudo, conhecer muito bem a realidade. E ter o domínio do meio onde se elabora e se difunde a informação é um entre os primeiros passos para a compreensão do papel dos meios de comunicação na sociedade e a sua influência. A realidade proposta para os meios de comunicação revela uma verdade que tende a nos provocar irritação ao invés de satisfazer as nossas ansiedades pela informações. Também porque a informação, imediatamente depois de ser divulgada, como nota Luhmann, se torna uma não-informação. Isso aprofunda a nossa sensação de nada conhecer ou de que existem saberes demais a serem conhecidos. Os meios de comunicação desfrutam dessa irritação porque é uma forma de se manter fiéis a eles. Na compreensão da esfera pública proposta por Habermas – onde se ampliam as nossas possibilidades de compreender a realidade – “a semântica da verdade desenvolve a tese que o significado de uma proposição é determinada pela sua condição de verdade”.

Os estudos da recepção, por exemplo, procuram demonstrar qual é o grau de suscetibilidade ao qual estamos expostos, e de que forma somos influenciados por isso nos nossos hábitos e consumos, de acordo com o que é divulgado nos meios de comunicação. São essenciais, sobretudo nas sociedades dos países em desenvolvimento, as conclusões sobre o círculo formado entre consumidores e cidadãos nos estudos de Néstor Garcia Canclìni, porque nos fazem pensar que é necessária uma análise profunda da “produção dos meios de comunicação”, desde o fato em si mesmo até o produto final, ou seja, a informação que se torna notícia. Apesar do paradigma do “excesso de informação”, que poderia ser entendido muitas vezes como um obstáculo para a compreensão – sobretudo com a proliferação dos meios virtuais de comunicação – é defendida aqui a proposta na qual o problema não é a oferta de informação, mas sim a sua “excessiva fragmentação”. 

Assim, no uso dos meios de comunicação como ponto de apoio à educação, é necessária a consciência da diferença ética escondida atrás de um sistema pouco controlado pela sociedade. Existe uma forte ausência de instrumentos de decodificação  das informações veiculadas e são reduzidas também as possibilidades de tradução pelo fato em informação por parte do público.

Os mapas cognitivos são instrumentos de conhecimento da realidade externa ao homem que se tornam, porém, instrumentos de conhecimento do que está interiormente, ou seja, dos processos cognitivos e de decisão do próprio homem. Os mapas são esquemas para percursos possíveis, apresentações de alternativas entre as quais escolher aquelas que estimulam o autoconhecimento e a capacidade de modificar as ações práticas concretas. Isso também é aprendizado.

O trabalho com os meios de comunicação para os jovens é uma forma de atingir a imaginação quotidiana e as práticas culturais. A sensação de inadequação torna difícil a liberdade de expor o pensamento, que é uma das principais dificuldades na relação com os outros. O problema na comunicação aumenta a dependência da produção midiática. Mas o aprendizado do uso dos instrumentos de comunicação e também das novas tecnologias abre novas possibilidades para a educação, implicam em desafios para o trabalho dos professores porque os conteúdos das disciplinas, a metodologia e a avaliação devem ser revistos. A educomunicação estimula uma participação mais ativa dos estudantes do ponto de vista pedagógico. Isso significa aprender fazendo, reconhecendo as capacidades e competências que os estudantes adquiriram precedentemente. E isso é mais que cultura popular, é a cultura ordinária, como demonstra De Certeau.

Essa cultura é a representação do mundo. Uma dona de casa que diz que “eles disseram que esse verão fará muito calor”, está se referindo ao que ouviu na televisão, leu nos jornais e revistas, ou mesmo na internet. “Eles” são os representantes da informação e recebem respeito e atenção da maioria das pessoas. Da mesma forma os mais jovens se sentem representados pelos pop stars ou os apresentadores dos programas de televisão, bloggers e demais formadores de opinião.

Aqui a importância da educomunicação, que seria a integração entre a educação aos meios de comunicação e a educação à cultura popular. Os princípios básicos são a representação, seleção e construção das identidades; a leitura dos textos publicados ou transmitidos como agentes de influência do ponto de vista da cultura e da ideologia dominante; as instituições nas quais um texto é produzido; a função e as formas dos textos de mídia; a audiência, o uso que as pessoas fazem dos produtos midiáticos, não apenas para o consumo, mas para formar opiniões; a produção dos textos midiáticos com competência. A partir desses elementos observamos que a formação do indivíduo no mundo da informação é também uma formação “cultural”, “visual” e “sensorial”. 

Um elemento importante da educação aos meios de comunicação é a identificação dos conhecimentos. Mas é assim em qualquer campo do saber. Aprender algo é uma forma de ter mais poder sobre a própria existência. Educar aos meios de comunicação não é responsabilidade de uma disciplina escolar, mas uma função presente em todo o percurso de aprendizado em que comunicar é mais uma das categorias a serem ensinadas e desenvolvidas. As habilidades específicas dos meios de comunicação são importantes, saber como se faz um jornal, um programa de televisão ou rádio, um site, um blog, são competências que devem ser assimiladas ao longo da vida, são competências semiológicas que na era da informação serão usadas em qualquer situação.

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