A comunicação não é a simples tradução do pensamento em palavra, como diria Jonh Durham Peters, é uma forma de se situar, um comportamento em relação à existência. Do latim comunicare, que significa distribuir, compartilhar, incialmente referia-se a bens materiais, como doações, e não uma arte de expressar algo através de símbolos, nem sugeria a esperança de uma espécie de reconhecimento recíproco – é uma relação com si mesmo e com os outros que ratifica a existência individual.
O sentido de diálogo vem da ideia posterior de ligação ou conexão. A comunicação está também no conceito de transferência ou de transmissão, também na ideia de troca. Para Peters, a comunicação é a tentativa de aproximar si mesmo ao outro. A teoria da comunicação é, portanto, semelhante à ética, à filosofia política e à teoria social, a partir do momento em que se interessa pelas relações entre si mesmo e os outros, entre a aproximação e a distância dentro da organização social.
O desejo de se conectar ao outro é inerente ao ser humano porque, como pensava Heidegger, estar com os outros é essencial para a nossa existência humana, já que somos fundamentalmente um ser linguístico e social. A ideia de comunicação de Heidegger não era para ser entendida nem semanticamente, como uma troca de significados, nem pragmaticamente, como uma coordenação de ações, mas no sentido de uma abertura do mundo, a descoberta da alteridade. A dificuldade do diálogo diante da descoberta do eu é o obstáculo para uma comunicação real. Heidegger oferece poder à linguagem, assim como Wittgesntein tinha pensado no falante como o potente e Gadamer sugeria que o jogo da linguagem era a descoberta do poder.
John Dewey e Heidegger acreditavam que a linguagem devia ser uma mediação entre o pensamento e o diálogo, no sentido de que a comunicação seria fazer parte de algo. A ação de comunicar significa também participar. A comunicação é participação na criação de um mundo coletivo; e é esse o motivo pelo qual a comunicação para Dewey levanta sempre problemas políticos de democracia.
Nesse sentido Habermas afirma que a comunicação é a criação de uma comunidade democrática onde devem ser coordenadas ações orientadas para a deliberação sobre a justiça. A comunicação que não acontece é uma tradução não realizada entre o fato e a linguagem. Para Emmanuel Lévinas, é na falência da comunicação que surge o sentimento de solidariedade, o insucesso nos convida a procurar formas de descobrir os outros além do conhecimento porque existe uma substancial impossibilidade de diálogo. A comunicação é um encontro de mentes e é uma alternativa para estabelecer um potencial individual de compreensão de si mesmo e dos outros. Por isso Hegel via a comunicação como um dispositivo para reivindicar o reconhecimento do ser humano como um ser entre outros. O problema, nos lembra Lévinas, é que a incomunicabilidade que deriva do respeito pela autonomia dos outros intensifica o sentimento de solidão, porém pode provocar também a explosão que acontece antes da transformação.
A perda da identidade pessoal em uma sociedade da comunicação fragmentária é parte da crítica aos meios de comunicação e é fator de desigualdade entre as pessoas. De acordo com Peters, os meios de comunicação há muito tempo servem como bodes expiatórios das preocupações, muitas das quais bastante legítimas, relativas à irresponsabilidade do poder ou ao degrado cultural. A crítica de que os meios de comunicação perpetuam as desigualdades estruturais e a banalidade espiritual é real e necessária, mas essa crítica deve levar em conta as desigualdades que existem além dos meios de comunicação ou a banalidade que espontaneamente enche os nossos corações. As mídias são também uma sinergia entre a economia política e o conjunto dos vícios presentes na avidez humana.
O pathos dos meios de comunicação é a disseminação, não no sentido de Platão, demonstrado por Sócrates quando recusa a dissipação no Fedro, mas no sentido de semeador, como Jesus, deixando cair as sementes por aí, não sabendo antes qual terreno será fértil, deixando a função crucial da escolha e da interpretação para o ouvinte, não para o mestre. Os meios de comunicação dissipam informações em fragmentos espalhados por toda a sociedade, sem se preocupar com a forma de receber porque a sua angústia é, assim como em Jesus, a quantidade de recebedores. A palavra deve chegar a todos, a sua compreensão é uma função posterior. Nesse caso vemos delinear claramente a necessidade dos discípulos para orientar no entendimento das parábolas, ou seja, no caso da sociedade da informação, de educadores aos meios de comunicação. Seguindo ainda o raciocínio de Peters, a teoria da comunicação deveria levar em conta o diálogo com si mesmo, a disseminação com os outros. Essa é uma outra forma de afirmar a ética máxima “trate si mesmo como um outro e outro como a si mesmo”.
Além disso, a mensagem propagada pelos meios de comunicação é quase sempre mais importante quando é disseminada do que quando é recebida, porque oferecer a informação é uma forma de poder que procura impor obrigações a quem coleta os sinais. A disseminação cria a imagem de superioridade que faz com que mensagem seja mais bonita, enquanto receber revela a fragilidade do outro e muitas vezes também a incapacidade (ou a aparente incapacidade) de compreender a sua importância. A comunicação pode ser concebida como um passo para unidade, no caso de Platão, ou, como propôs o Evangelho, seria o cuidado com os fragmentos que encontramos em nós mesmos e nos outros.
John Locke e Santo Agostinho defendiam uma concepção de comunicação baseada em uma visão de si mesmo como uma alma eterna onde existe mais diferença que união entre os espíritos. Locke acredita na propriedade privada dos significados das palavras, enquanto Santo Agostinho pensava que as palavras têm razão de ser quando se referem às coisas.
O problema não é simplesmente melhorar os instrumentos intelectuais de forma que possam transportar mais precisamente o conteúdo espiritual ou mental, mas é acima de tudo estabelecer condições de participação e expressão que sejam justas e favoráveis. A comunicação é um problema político de acesso e oportunidade, não é um problema psicológico ou semântico de purificação dos meios de comunicação.
A definição de comunicação, no sentido latino de communicare, é dividir em partes iguais, mas é na dificuldade de comunicar que a desigualdade entre os seres humanos é mais vigorosa. A recusa ou a incapacidade de entender o que o outro ou todos os outros procuram dizer distanciam o indivíduo da possibilidade de participação social e também intelectual. É quando a informação é propriedade para alguns, mas não para todos, porque não desenvolveram competências suficientes.
Peters cita o Homo clausus, de Norbert Elias, como a representação da característica distintiva da identidade europeia nos últimos quatro séculos, todos voltados para si mesmos, protegidos dos outros e do mundo. A solidão cósmica que não conhece conexões com os outros, uma condição de vida delirante, tem na comunicação a possibilidade de criar empatia ampla e profunda na sociedade, aproximar cada tentativa de comunicação se baseia na reciprocidade entre uma palavra e a resposta, entre o fato e o discurso.
A solidão cósmica que não conhece conexões com os outros, a sensação atual é de que quanto mas interagimos menos conseguimos nos comunicar. Cada um de nós vivendo em uma caixa, um computador, um telefone, escondidos do olhar do outro e estabelecendo uma outra estrutura de comunicação que prevê os outros como extensão de si mesmo em que a interação existe como complementação do próprio pensamento e não como diálogo real. E nesse novo processo a perda de empatia é inevitável ocasionando portanto uma fragmentação constante do discurso em um processo comunicativo que afasta mais do que aproxima quando não são observadas regras essenciais do diálogo como reciprocidade, respeito e atenção.