O ensino aos meios de comunicação na América Latina é muito heterogêneo, a pedagogia ou didática dos meios de comunicação se desenvolveu tanto nas políticas públicas oficiais dos governos quanto nas empresas de comunicação. As iniciativas partem principalmente da imprensa escrita, como o “Por lo mejor en los medios” que reúne diversos jornais mexicanos, o “Diario en la escuela” do jornal argentino “El Clarín”, o brasileiro “Quem lê jornal sabe mais” do jornal “O Globo” e o “Carta na escola” da revista “Carta Capital”.
Desde os anos 1980 um lugar comum entre os educadores de comunicação era investir na institucionalização das diversas experiências, buscando um elo maior de continuidade e utilidade dos esforços e recursos, mas também procurando uma aceitação maior dos sistemas educativos para esse tipo de educação. Esses projetos foram denominados de “didática ou pedagogia dos meios de comunicação” ( ou da imagem).
Em 1998, no I Congresso Internacional Comunicação e Educação, em São Paulo, foi estabelecido entre os pesquisadores um debate sobre a proposta de um modelo interdisciplinar de um novo profissional para trabalhar não somente nas escolas, mas também nos meios de comunicação, nas televisões e nas rádios, nos centros culturais, nas ONGs e nas empresas. No percurso de formação desses profissionais estão relacionados os conhecimentos em comunicação, educação e tecnologia da informação.
Desde 1999 o Ministério da Educação do Brasil propõe uma maior interação entre comunicação e educação, em que seja reconhecido um novo campo de intervenção social e exercício profissional, visto que a informação é considerada um fator essencial para a educação e aconselha a abertura de cursos de especialização, mestrado e doutorado para a formação de educomunicadores. Algumas universidades já adotaram esse percurso, como a Universidade de São Paulo, que foi pioneira ao criar o projeto “Educom. Radio” nas escolas públicas da cidade.
A apropriação das culturas populares nas formas de ler e ouvir, ainda mais nas culturas em que a leitura não é um hábito, revelam muito sobre o papel de uma pedagogia da comunicação. Na Argentina, por exemplo, através do programa “Escuela y Medios”, desenvolvido pelo governo, os meios de comunicação e as escolas são desenvolvidas as competências de compreensão e análise dos meios de comunicação. Desde o fim da ditadura militar argentina o governo ajudou a financiar projetos de educação aos meios de comunicação com a intenção de ampliar os espaços democráticos, principalmente para uma geração de crianças e jovens que cresceram sem essa experiência devido à situação política nacional. A informação tem um papel prioritário na vida civil e democrática, na compreensão do que significa a liberdade de expressão, a participação na vida em comunidade sem medo de exprimir a própria opinião e a relação de confiança entre o sistema de mídia e o cidadão.
Em 1999, no Seminário Internacional sobre Comunicação e Educação, realizado em Bogotá, na Colômbia, foi elaborado o livro “Comunicación-Educación, coordinadas, abordajes y travesías” em que conceitos como mediação tecnológica e desigualdade digital passam a ser discutidos. Para enfrentar o desafio tecnológico, é necessária a consciência de como funcionam os meios de comunicação e o impacto das transformações. Se o livro foi por muito tempo a fonte do saber, onde se escondiam as informações que permitiam entender as coisas de forma profunda, com a era da informática fomos inseridos em um outro ecossistema comunicativo, estabelecendo novas relações entre as pessoas e os saberes, a interatividade e as trocas simbólicas.
Já em 1964, Umberto Eco falava de “apocalípticos e integrados”, mas ser integrado no novo sistema não significa ter liberdade, apesar dos grandes progressos no direito à informação. O grau de vulnerabilidade em relação à distribuição da informação, principalmente entre as crianças e os jovens, ainda é muito grande. Em 1981 o Chile inovou, através do Centro de Indagación y Expresión Cultural e Artística (CENECA) ao unir ao sistema escolar formal os pais, animadores culturais, expoentes religiosos e profissionais de comunicação para uma recepção ativa dos meios de comunicação.
De um lado Manuel Castells falava de “sociedade-rede”, Paulo Freire se referia à “palavra-ação”, estamos diante do risco do silêncio, do se calar, a degradação da comunicação interpessoal, como também alertava tantos outros estudiosos como Bourdieu, Passeron e Eliseo Verón. Além da pobreza, da violência e da corrupção institucional, é preciso combater também o pensamento subalterno.
A complexidade das novas configurações comunicativas do saber e da narração evoca a desordem do nosso sistema escolar, que não corresponde ao novo significado do saber na sociedade da informação. A invisibilidade social, a falsa sensação de pertencimento que desilude e segrega mais ainda pela frustração que provoca nos cidadãos que atingem um nível de consciência política e cultural. Existe cada vez mais informação e proliferação de fontes, aumentam os fluxos e intercâmbios, e aparecem novos modos de exclusão.
Ao perdermos domínio sobre a nossa narrativa, nosso poder de simbolizar, nossa cultura oral, vemos nosso espaço de um discurso próprio se extinguir para dar lugar a um discurso hegemônico, que gera exclusão “digital”, a sensação de estar fora do mundo, como se a velocidade do mundo não correspondesse a velocidade pessoal.
A teoria crítica da Escola de Frankfurt influenciou o pensamento sobre comunicação da América Latina nas últimas décadas. Apesar de não ser um pensamento homogêneo, a proposta de uma visão crítica do mundo, a reflexão dialética e a polêmica em torno da transformação da cultura em mercadoria e dos indivíduos em instrumentos da sociedade foi uma resposta às necessidades sociais daquela época. Ainda hoje muitos pesquisadores procuram basear as suas investigações nessa linha porque fornece importantes elementos para a reflexão sobre as mídias a partir da análise dos sistemas econômicos e da manipulação da informação.
Nos anos 1930, no Brasil predominavam os estudos sobre a legislação e a liberdade de expressão no jornalismo. A partir da Revolução Cubana de 1959 a Unesco dá início ao seu trabalho de persuasão sobre o uso dos meios de comunicação para oferecer mais velocidade ao desenvolvimento. Na leitura da Unesco, o sistema tradicional de ensino nos países em desenvolvimento era caro e lento e não podia responder às necessidades de crescimento. Nos anos 1960 foi implantado o “Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina” (Ciespal) em Quito, Equador, para dar suporte teórico à política de desenvolvimento da Unesco que pretende alfabetizar as pessoas por meio do rádio e da televisão.
Em 1977 foi instituída uma comissão internacional da Unesco para o estudo dos problemas da comunicação. O presidente da comissão foi o irlandês Sean MacBride, prêmio Nobel da Paz, que deu o seu nome ao relatório final, “Um mundo e tantas vozes”, publicado em 1980. O relatório MacBride criticava a concentração dos meios de comunicação, o comércio das informações e o desequilíbrio nos fluxos de informação entre os países desenvolvidos e aqueles subdesenvolvidos. O documento propunha a “democratização da comunicação” e foi recusado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, que o consideraram como um ataque à liberdade de imprensa e à doutrina do livre fluxo de informação. Ambos os países se retiraram da Unesco no anos 1980. O Reino Unido retornou em 1997 e os Estados Unidos somente em 2003.
O Relatório MacBride foi muito importante para o debate sobre a comunicação na América Latina e o seu principal representante foi o “Instituto Latino Americano de Estudos Transnacionais” (Ilet), no México. A questão do imperialismo cultural apareceu nos anos 1990 e nos congressos, seminários e publicações sobre a comunicação nesses anos se vê que o marxismo e o funcionalismo se encontravam no centro do debate teórico, apesar de que se notava também a presença das reflexões em base à semiótica e à sociologia. Uma tendência à simplificação na discussão e uma crítica não propositiva deu origem a um pensamento chamado pelos seus representantes de “criativo” porque não seguia métodos definidos antes, mas que revela também uma ausência de sistematicidade e organicidade que, na verdade, é um obstáculo à criação de uma política pública eficaz em comunicação na América Latina.
O tecnicismo prevalece na imprensa e na televisão. O principal exemplo do Brasil é a empresa “Globo”, um caso representativo da realidade sobre o papel da comunicação na construção da identidade de um povo. A TV Globo, realizada com grande qualidade técnica, assumiu o papel de mecanismo constituinte da identidade do brasileiro. Ao mesmo tempo nesses países o jornalismo não se desenvolve no mesmo fluxo que na Europa ou nos Estados Unidos porque a componente cultural não é valorizada tanto quanto aquela política e econômica. Mas a falta de capital simbólico, a condição da comunicação na América Latina se apresenta frágil e muito fragmentada.
Atualmente a resposta dos governos desses países é de suprir deficiências averiguadas na “exclusão digital”, oferecendo o computador nas escolas e cursos de formação, mas sem um programa sólido e de amplo respiro. Em certo sentido a tentativa é válida, mas substancialmente eficaz, como aconteceu com a criação de bibliotecas escolares nos anos 1990. Os livros estavam nas estantes, mas se notava a falta de um programa de incentivo ou de guia à leitura. A ausência de uma política de educação à comunicação é o principal desafio, principalmente entre os estudantes das classes sociais mais marginalizadas, porque nesses casos as famílias não podem oferecer essa espécie de saber.
Em 2007 a empresa Asustek, uma das principais produtoras de hardware para computadores e notebooks na época, com sede em Taiwan, anunciou um novo produto dirigido aos governos dos países em desenvolvimento com uma política de inclusão digital. Era um notebook simplificado de baixo custo, pensado prioritariamente para as crianças e as mulheres e pessoas com dificuldades em acompanhar o desenvolvimento das tecnologias.
Uma outra proposta de computador a baixo custo para responder à política dos governos dos países em desenvolvimento surgiu no fim de 2007. Uma ONG chinesa produziu o XO que poderia ser carregado manualmente, com câmera de vídeo, capacidade de se conectar com wi-fi e com necessidade de apenas 2 watts de energia para funcionar, enquanto um notebook comum requer cerca de 30 a 40 watts. Sem disco rígido, o notebook funciona com memória flash e quatro portas USB. A fundação “One laptop per children”, do MIT (EUA), propôs a fabricação de um computador em base a uma política de voluntariado na qual o comprador, ao adquirir um laptop para si faria a doação de outro para uma criança em um país em desenvolvimento. Governos de países como Peru e Equador participaram dessa iniciativa.
O Brasil inicialmente demonstrou interesse, mas a falta de um projeto educativo agregado à aquisição ou fabricação desses aparelhos foi muito criticado pelas universidades e centros de pesquisa no país, como o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP), alegando que a inclusão digital sem uma política pública de mediação do saber seria ineficaz.
Esse movimento dos países da América Latina não representa uma política de educação integrada, mas simplesmente uma resposta imediata à necessidade de facilitar o uso do computador para a maioria dos cidadãos, como aconteceu antes com o rádio e depois com a televisão. Nos primórdios da era digital, os jovens se encontravam nas lan houses para se sentirem integrados. Na favela Rocinha, no Rio de Janeiro, em 2007 os proprietários organizavam o “viradão”, uma noitada em que, por um preço único, os internautas podiam acessar a Internet a noite toda e, de manhã, recebiam um pão com manteiga, um café e um refrigerante.
A Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla) realizou, também em 2007, uma pesquisa em que delimitou um “Mapa das Desigualdades Digitais no Brasil”, revelando que os programas brasileiros para a disseminação das novas tecnologias reforçam as desigualdades já existentes porque são “fragmentárias” e “setorizadas”. De acordo com essa pesquisa, existe uma ausência de política pública para estabelecer as metas, as estratégias e os investimentos necessários para reduzir as desigualdades. Por exemplo, os computadores ligados à Internet estão quase sempre nas zonas mais ricas das cidades. Ainda segundo essa pesquisa, a metade dos estudantes de renda mais alta tem acesso à Internet em casa e são também aqueles que também têm acesso na escola.
A ausência de uma política educacional sólida se reflete também na proposta de educar as crianças à tecnologia ou aos meios de comunicação. Não foi estabelecida uma política de planificação e execução pedagógica mediada pelos processos de comunicação e pelas suas tecnologias. Não se identifica um conjunto de ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas ou produtos destinados a criar e potenciar “ecossistemas comunicativos” nos espaços educativos, nem mesmo potenciar o coeficiente comunicativo das ações educativas, incluindo aqui o uso dos recursos da informação no processo de aprendizado.