Linguagem e poder

A política é o reino não somente da razão e da paz, mas também da força e do conflito, afirmou Maquiavel. O poder proveniente desse conflito determina a participação na esfera pública, que acontece sobretudo através da linguagem e das capacidades de comunicação. A evolução da política parte de uma espécie de explosão da comunicação, com a origem identificada já no Império Romano. Tudo em Roma se organizava a partir da necessidade de fazer com que a comunicação estivesse no centro da vida quotidiana. Roma foi uma espécie de “sociedade de comunicação”.

A comunicação é o instrumento de poder em que a linguagem determina o papel social e a participação política. A comunicação é um elemento da política, da possibilidade de participação e de produção cultural. Essa produção é parte da formação de cidadão autônomos, autores da própria existência e que são capazes de usar a comunicação para se inserir na sociedade civil. 

A comunicação acontece na sua dimensão técnica, simbólica, sociopolítica e de recepção. Essas designações aparecem após a análise crítica de reproduções culturais realizadas por Raymond Williams, as concepções marxistas de hegemonia propostas por Antonio Gramsci, as ideias sobre a ideologia de Estado elaborados por Louis Althusser ou as ideologias de elite vinculadas às mídias e as estruturas de poder de Stuart Hall. 

A transmissão na comunicação é reservada a quem detém o poder, por isso o estudo da recepção tem sido muito importante na análise da desigualdade, já que a maioria da sociedade não detém esse poder de transmissão. O uso das mídias e das possibilidades de comunicação é consequência da abundância de sinais e mensagem plasmadas, mas é justamente nesse ponto que a recepção demonstra a sua reduzida eficácia comunicativa. Uma mensagem anula outra tornando clara a banalidade da participação individual na esfera pública. Mesmo se essencialmente simplificada, como analisou Jean Baudrillard, o sistema mediático tem uma importância igual ou maior que um sistema formativo na reprodução da sociedade. A presença física não é mais um elemento determinante nas relações sociais, mas sim a capacidade comunicativa dos corpos. 

O papel do educador mudou também porque a transmissão dos conhecimentos hoje é um serviço que não depende mais somente da escola ou da comunidade. O profissional de comunicação deve ser reconhecido como um novo educador porque o limite entre a informação e a formação em parte se encontra também nas suas mãos. A troca entre o novo educador e o educando é fisicamente insignificante, mas é o mais privilegiado de um ponto de vista evolutivo. A linguagem e a sua força de comunicação estão presentes por toda a vida e estamos sempre à procura de aperfeiçoamento. A palavra é a bagagem mais importante para o sujeito que quer comunicar e a pobreza pode ser um obstáculo à comunicação porque dificulta o acesso à palavra. 

A verdadeira riqueza do amanhã não é o capital, nem a matéria-prima, nem o ouro, mas o saber, afirmou Michel de Certeau. A ausência de cultura e a impossibilidade de comunicação entre iletrados e os que desenvolvem o seu potencial na linguagem é o aspecto mais cruel da sociedade atual. Palavras são perdidas ao vento. A palavra é a chave da comunicação e sem ela a relação de solidariedade entre os homens é prejudicada.

O acesso à palavra é portanto o acesso ao poder de abstração e de estabelecer conceitos. O acesso ao poder de abstração é a linguagem, que é igualmente o acesso ao princípio de causalidade e submissão ao seu poder. Saber falar é poder dispor do poder de refletir. O poder oferecido pelo domínio da linguagem é ainda mais forte na palavra escrita porque, diferente da palavra viva, a palavra escrita não está mais ligada à ação, ao exercício de um poder sobre a matéria. Por outro lado, a matéria escrita, na sua existência material autônoma, convida às análises e à fragmentação, à decomposição e à recomposição, convida a pensar as formas possíveis e as variações das normas sintáticas e gramaticais.

No seu ensaio sobre a origem da linguagem, Herder, em 1772, identificava o homem como um ser de vazios, organicamente carente, que se utiliza da técnica como fator de compensação, de reequilíbrio, de integração, de intensificação e de substituição. A linguagem é uma técnica de sobrevivência no mundo das ideias. O poder que emana é indissociável da necessidade comunicativa entre os homens. A competência linguística determina a participação social e consequentemente também o grau de poder que poderia ter tanto na própria vida quanto na comunidade onde se insere. O problema pode ser investigado, como sugere Hans-Georg Gadamer, a partir do Mitsamt, estar junto, no âmbito do comportamento, e o Miteinander, o ser um com o outro, a reciprocidade.

Os seres humanos não seguem ritos como fazem os animais, porque nos homens as formas de comportamento são transformados na vida social, são alma e espírito, como na definição aristotélica. A reciprocidade da linguagem para indicar e nominar se torna cada vez mais ampla quando o homem procura ser mais potente na sua existência. A afirmação é o ponto de referência porque a possibilidade de afirmar torna o espaço mais amplo e permite a indecisão. 

Perguntar é a razão de ser na compreensão. Somente quem é capaz e autorizado a fazer perguntas pode ver a dualidade da alternativa, quer dizer, pode ver outras possibilidades e nesse ponto se encontra em condições de fazer outras perguntas. A apropriação da linguagem é uma forma de participação ritual da qual é parte ser apoiado pela coletividade. A vontade de potência indicada por Nietzche em que se governa se encontramos símbolos, se podemos indicar e nominar. O diálogo ou a impossibilidade do diálogo poderia determinar a potência que a linguagem assume na vida.

O poder da narrativa é imenso e non se detém na literatura. Aprender a narrar ou entender uma narrativa é parte essencial para possuir competência linguística. É o real vivido ou imaginado que é narrado para que o diálogo se estabeleça, mas que depende do desenvolvimento das capacidades cognitivas e da capacidade de uso dos instrumentos de comunicação. Existe, portanto, a necessidade para se criar situações de igualdade que seja elaborada uma linguagem comum em condições reais de igualdade e que depende da participação do intérprete para atingir o seu objetivo comunicativo. A desigualdade é visível quando a compreensão é insegura e fragmentária, quando um dos participantes não tem conhecimentos suficientes para interpretar. 

Antes de tudo é necessário estabelecer como acontece a compreensão da linguagem. Um indivíduo é o que é pela sua capacidade de comunicar. A função comunicativa teria prioridade lógica e conceitual sobre àquela cognitiva. A teoria da comunicação tende a trabalhar prioritariamente com a função comunicativa da linguagem porque é mais fácil de medir de um ponto de vista quantitativo. Da mesma forma é mais fácil identificar o poder da linguagem na vida quotidiana através do contato com a informação. No entanto muitos outros fatores influenciam essa compreensão, a língua de origem, o contexto cultural, a sociedade na qual ocorre o desenvolvimento cognitivo.

George Fodor elaborou uma hipótese de que não é o pensamento que reflete a estrutura da linguagem, mas é a linguagem que reflete a forma do pensamento de forma sistemática e produtiva. A linguagem é capaz de expressar o pensamento porque reflete a sua estrutura, o código usado afasta a compreensão abstrata e cria modelos de dispositivos mentais para que a comunicação de fato aconteça.

Nessa hipótese cognitiva, compartilhada por Chomsky, quanto mais estímulos, maior a precisão e a velocidade de compreensão da linguagem. É possível memorizar, mas o conteúdo será esquecido se não for contextualizado. É uma oscilação contínua entre o fora, a linguagem social, na denominação dada por Vygotsky,  e o dentro, a interiorização do sentido escondido atrás de cada palavra-símbolo. O pensamento está sempre em expansão porque os significados das palavras estão sempre em movimento.

Aprender e dominar a linguagem é, portanto, um fator imprescindível para a determinação do grau de poder que um indivíduo exerce em uma sociedade. Quando discutimos desigualdade não podemos nos ater somente a aspectos econômicos e sociais, fatores culturais devem ser levados em consideração, especialmente as capacidades linguísticas. É extremamente relevante o papel da família, da escola e da comunidade de pertencimento na aquisição da linguagem. Além disso, a possibilidade de compreensão e representatividade nos meios de informação vai refletir o grau de poder e de participação social. 

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