O jornalista é um dos profissionais da escrita que mais sentiram o impacto da tecnologia. A sua formação e prática sofreram mudanças significativas diante da ampliação dos meios de comunicação que foram surgindo ao longo dos anos. O caráter científico da produção jornalística ainda é motivo de discussão entre os teóricos da comunicação, entre os que vêem a comunicação escrita como uma ciência objetiva e prática e os que a consideram parte da “inutilidade” do saber humanístico.
A instabilidade do texto jornalístico, a sua vaporosidade, a combinação de transparência com obstáculo ao entendimento – porque se o leitor não tem conhecimento prévio encontrará dificuldade para a compreensão – somada à necessidade de uma ética rigorosa e, consequentemente, de um grau de responsabilidade que deve ser enfrentado na criação de um texto. A potência do texto no âmbito cognitivo e a necessidade de criar um percurso de responsabilidade por parte do profissional de comunicação nas suas escolhas e construções linguísticas e temáticas são fatores que permitem elaborar princípios científicos de elaboração do texto. A negociação do sentido do texto, que desde Stuart Hall, nos anos 1970, tem predominado nos estudos jornalísticos, se tornou cada vez mais complexa na era digital.
Diante do texto jornalístico o leitor age sobre o produto, aceita, recusa, negocia o seu sentido, de acordo com valores, crenças, ideologias, influências familiares, comunitárias, culturais. Michel de Certeau chamou essa atividade de tática individual que se contrapõe à estratégia das instituições para estabelecer uma hegemonia de pensamento e ação.
O texto jornalístico sem dúvidas tem uma influência fundamental na vida dos cidadãos porque a capacidade de participação depende do grau de conhecimentos que recebem e que conseguem elaborar. Portanto a figura de um educador que ensine também a entender o potencial do jornalismo na vida cotidiana é cada vez mais necessária no processo de aprendizado de leitura. Essas habilidades são essenciais para que o indivíduo se sinta capaz de articular e participar com suas próprias inferências da vida democrática, no entanto são habilidades que devem ser desenvolvidas e não inatas.
O jornalismo está na escola, mas ainda como suporte e não como objeto de estudo, a prática do newsgathering não é desenvolvida como raciocínio e habilidade analítica do leitor. A razão pela qual a mensagem jornalística é tão diferenciada é porque boa parte da compreensão do presente depende desse filtro, a realidade e a representação da realidade, a influência da opinião dos outros, inevitavelmente esse discurso acaba por modelar a visão de mundo e a identidade, mesmo se chega indiretamente. Portanto é indiscutível a responsabilidade social e cultural do jornalismo.
Qualquer discurso crítico significativo sobre as mensagens dos meios de comunicação deve incluir um exame cuidadoso, sistemático e crítico dos contextos políticos e econômicos no qual estão inseridas, ou seja, a realidade comum. Segundo Raquel Paiva, ter esse olhar “comunitário” dá valor à identidade, proveniência, origem, conduz às raízes de cada um, às tradições, às relações sociais, religiosas, familiares e nacionais. Essa ligação não deveria ser uma corrente que aprisiona e limita a liberdade, mas o fio condutor que o liga aos outros e o sustenta. Valorizar a comunidade significa admitir e respeitar o seu lugar de origem. Uma atitude passiva e irresponsável provém da dificuldade em desenvolver um pensamento autônomo, de escolhas concretas para uma crítica consciente e tolerante, de distribuir a informação de forma verdadeiramente livre e democrática.
Na sociedade da informação não é interesse de quem detém o poder educar o público a receber criticamente a informação. Um paradoxo que se justifica pela predominância dos interesses econômicos, para os quais convêm que o público fique entregue a si mesmo e o ato de ler ou assistir produtos tão fáceis e imediatos como o discurso jornalístico não requer habilidades complexas. A educação ao aproveitamento consciente do jornalismo é uma atividade que precisa ser desenvolvida, no entanto, desde a escola e acompanha o cidadão durante toda a vida com constantes atualizações, o que, no entanto, prevê também uma educação escolar também autônoma, bem diferente da que predomina atualmente no sistema escolar clássico.
Alfabetizar à leitura do discurso jornalístico, tanto do ponto de vista do receptor quanto do produtor, é uma função que envolve diversos sistemas de conhecimento. Os elementos novos que devem ser dominados são complexos e o processo de desenvolvimento das habilidades requer uma ampla gama de possibilidades de compreensão. Quando um professor se propõe a ensinar a ler o discurso jornalístico se encontra diante da difícil tarefa de que, na maioria dos casos, nem mesmo ele tem os instrumentos de compreensão adequados.
Depois de enfrentar a fase inicial de como esse discurso é construído e publicado, é necessário também aprender a interpretar as potencialidades dos argumentos abordados e a consciência da sua relação com a realidade. Por isso não basta usar o discurso jornalístico como fonte para refletir sobre a política, economia, geografia, história, ecologia, cultura. É uma necessidade também aprender sobre como esses assuntos podem ser elaborados a partir de interesses, teses sobre eles mesmos. Muniz Sodré afirma que criar algo e conhecer isso pode ser parte de um mesmo processo, especialmente quando esse “algo” nos oferece a impressão de organizar a maior parte dos nossos usos e costumes.
A responsabilidade social no jornalismo lida principalmente com as questões de desigualdade e inclusão. Como demonstra a associação das cooperativas editoriais italianas (Mediacoop), uma maior requisição de informação nem sempre corresponde, no entanto, a igual oportunidade de acesso aos meios de comunicação por parte de todos os cidadãos. Na Itália surgiram publicações com o objetivo de reduzir a desigualdade no acesso ao discurso jornalístico, como o “Articolo 21”, a “Megachip”, que procuram dar apoio ao desenvolvimento e à democratização da informação através de projetos que discutem o potencial de mudança social do discurso jornalístico. A situação de monopólio na coleta e distribuição da informação é ameaçadora para a democracia e o aparente pluralismo é mais aparente que substancial. O que milhões de pessoas escutam, lêem e sobretudo vêem, todo dia, é definido por pequenos grupos, que decidem o que o grande público deve saber e o que não deve saber.
O manifesto de “Megachip” denuncia que os meios de comunicação estão tão fortemente ligados ao poder político e dependentes de interesses privados, detentores e controladores dos meios de comunicação, que pouco a pouco foram renunciando às funções de controle e de crítica. A maioria dos fluxos de comunicação é produzida ou controlada por alguns colossos mundiais, um verdadeiro e próprio oligopólio, conglomerados quase imensuráveis.
A maior parte da população é submetida a ser somente espectador de um martelar de notícias, ideias, estilos de vida e de consumo que não correspondem à sua realidade, criando sentimentos de inadequação e exclusão, expostos a processos de homogeneidade que não são apenas dolorosos, mas também destrutivos de línguas, culturas, civilizações.
O mundo ocidental propõe um estilo de vida como se fossem os únicos aceitáveis, a agenda do mundo real é ocultada e substituída por critérios totalizadores que pertencem aos interesses dos conglomerados de informação com poder global, o valor de mercado da informação que vive uma relação integrante e de sinergia com a publicidade e o entretenimento no processo de criação de necessidades, que por sua vez estimula uma produção forçada e às vezes artificial de produtos informativos. Assim a informação, os processos culturais de massa, o entretenimento se transformaram em mercadoria, objetos de lucro, lugares de condicionamento do consumidor. Muitas vezes são até indiferentes em relação entre a realidade e o que é informado, a realidade pode ser filtrada e controlada em função dos interesses políticos, econômicos e até mesmo jurídicos.
A realidade nos meios de comunicação é uma representação e pode ser substancialmente modificada, manipulada como qualquer texto criativo, às vezes em função das exigências do mercado, dos interesses da organização que a transmite e também dos valores do autor do discurso. Um público pobre de ideias deseja e pensa o que é socialmente disponível, a resistência ao predomínio do pensamento hegemônico é cada vez mais difícil, tendo que lidar com a exclusão e indiferença. A sociedade é submetida a um fluxo de informações e coletas de dados que determina não somente o nível de independência de pensamento, mas coloca em risco as culturas e até mesmo o nível emocional e ético dos cidadãos.
Apesar das táticas quotidianas de resistência, a ausência de habilidades no processo de aprendizado de leitura, principalmente a nível escolar, sugere que cabe também ao jornalista estar atento ao seu papel de intelectual da comunicação, que tem também a responsabilidade de educador e formador do pensamento público, portanto pensando no exercício da profissão também como um processo de estímulo à leitura crítica, de produzir constantemente pontos de vista alternativos e de exigir que sejam representadas as diferenças.
No Brasil, iniciativas como “Observatório da Imprensa” analisa os meios de comunicação nacionais para monitorar a relação entre os poderes e a sociedade. É o media watching, que como o ombusman, são estratégias para monitorar o trabalho jornalístico, chamar a atenção da comunidade e dos profissionais para a complexidade da função do discurso informativo.
Nos Estados Unidos existem o Fairness & Accuracy in Reporting (FAIR), que tem como proposta controlar a intromissão do poder econômico e político nos meios de comunicação, e o Accuracy in Media, que indica infiltrações e distorções dos fatos. A proposta de fundo é sempre reduzir os monopólios e aumentar a promoção de novos recursos de informação.
A pluralidade do debate sobre a qualidade da informação na sociedade é defendida pela AIM – Accuracy in Media for Fairness, Bilance and Accuracy in News Reporting, que aponta criticamente notícias que recebem muito espaço nos meios de comunicação e outros fatos que, apesar de ter interesse para sociedade, recebem pouca ou nenhuma atenção.
Além dessas iniciativas de avaliação externas, jornalistas que sentem o peso da sua responsabilidade social ao longo dos anos estão criando agências de notícias, revistas, sites, que se concentram na defesa de assuntos que normalmente são ignorados pela “grande imprensa”.
Um dos exemplos foi a já extinta agência de notícias “Repórter Social”, que oferecia notícias sobre ONGs, movimentos sociais, projetos sociais de grandes empresas privadas e públicas e o quotidiano das decisões do poder público que exercem influência na vida dos cidadãos mas muitas vezes eram ignorados pelos principais meios de comunicação. Pobreza, educação, saúde, direto à habitação, reforma agrária, ecologia, direito do trabalhador, direitos humanos, questões indígenas, femininas, negros, crianças e adolescentes. As ações públicas na área social são muitas vezes “esquecidas” pelos jornalistas. Segundo Alceu Castilho, um dos criadores da agência, é preciso pensar em como equilibrar as dimensões política, econômica e social em um país com uma forte desigualdade social como o Brasil.
O blog “Mídia Social” também trabalha nesse sentido de dar voz aos jornalistas que se envolveram com a cobertura dos fatos relacionados aos problemas sociais e direitos humanos. Assim como a agência “Carta Maior”, que visava a integração latino-americana a partir de uma rede de comunicação que unisse os profissionais para mostrar a natureza em comum dos problemas sociais que caracterizam a região. Já a ONG “Repórter Brasil” se propunha como centro de pesquisa acadêmica e escolar no campo dos problemas sociais, em especial sobre o “trabalho escravo” no país, situações de trabalho indigno e de restrição da liberdade.
Também iniciativas de empresas privadas tem marcado o desenvolvimento de um jornalismo socialmente responsável, como o “Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social”, que se preocupa em direcionar as empresas para a importância de desenvolver seus negócios dando importância aos problemas sociais. O instituto se propõe como um pólo de organização dos saberes, trocas de experiências e desenvolvimento de instrumentos que servem de suporte para as empresas na análise de práticas de gestão e das negociações de responsabilidade corporativa, atuando na ampliação do movimento de responsabilidade social empresarial, a influência sobre o mercado e os seus agentes mais importantes, a articulação da responsabilidade social empresarial e as políticas públicas, a produção de informação por meio de pesquisas sobre a relação entre as empresas e os problemas sociais no país.