O papel da imprensa na aquisição da linguagem

As relações entre a interpretação da linguagem e os meios de comunicação determinam a estrutura mental que permite ao indivíduo se situar de forma mais participativa na sociedade. O enriquecimento se dá com a maior capacidade de interpretar e decifrar os significados, ordenar os fatos, além de usar a criatividade e a imaginação para inventar a própria forma de ver as coisas. A preguiça ao interrogar os fatos reflete, na verdade, a falta de uso dos instrumentos que estão disponíveis. A possibilidade de refletir, interrogar e dar as próprias opiniões é inerente ao ser humano. A ausência de prática dessa capacidade cria obstáculos na vida em sociedade.

Existem diversas tipologias de discurso. A narração é associada à matriz cognitiva que permite reconstruir as percepções dos fatos em referências; a descrição permite perceber as percepções em relação ao espaço; a exposição, na compreensão dos conceitos; a argumentação, ligada ao juízo, à capacidade de desenvolver uma relação e hierarquizar os conceitos; o discurso regulador é ligado ao futuro comportamento do leitor.

Entre as diversas teorias de recepção na comunicação, como a teoria hipodérmica de Katz, o importante é distinguir que uso os indivíduos fazem da informação que recebem. Na linha dos usos e gratificações da teoria da comunicação é possível identificar que a ideologia e o discurso são os termos básicos que nos introduzem na construção e representação da realidade oferecida pelos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, permite estabelecer um paradigma crítico para pensar sobre a educação aos meios de comunicação. 

Educar aos meios de comunicação é desenvolver a capacidade consciente de transformar os sinais em significados e alfabetizar os indivíduos a não serem econômicos nos seus pensamentos, habituá-los a imaginar e criar no quotidiano. Distinguir, decifrar, adivinhar e interpretar algo que está representado. Na leitura do jornal, por exemplo, é preciso combinar os sinais gráficos das letras às imagens. Para poder interpretar é necessário interrogar a linguagem. Toda linguagem existe para ser interrogada, para ser submetida e avaliada.

Os sistemas simbólicos precisam de diversas habilidades da mente, é necessário comparar os sujeitos entre eles e advertir como as habilidades foram desenvolvidas nesses sujeitos. É uma espécie de tradução dos conteúdos da realidade em uma semiótica, em outras palavras, imitação e codificação. Não a aristotélica imitação da realidade, mas a percepção e a absorção dos seus conteúdos. 

Extrair as informações dos códigos disponíveis não é uma operação feita facilmente porque exige habilidades específicas, que podem ser percebidas somente por meio da formação continuada das competências linguísticas. Os meios de comunicação e escola deveriam ser parceiros nessa formação contínua porque indicam argumentos e problemas  que representam a realidade de uma época. Justamente pela sua característica de velocidade e leveza, em parte os meios de comunicação podem distorcer a versão dos fatos visto que é necessário levar em consideração os elementos que incidem sobre a escolha dos temas e das formas de narrativa, como os critérios de “noticiabilidade”, de newsmaking e de gatekeeping.

Os critérios de noticiabilidade hierarquizam e classificam a informação a partir das condições de novidade, imprevisibilidade, gravidade, importância e as consequências que um acontecimento pode exercer sobre uma grande fatia da população. No newsmaking é a construção da notícia que atua na interpretação e elaboração de um acontecimento e a dinâmica interna do trabalho entre os jornalistas. O gatekeeping é a seleção da informação que vai ser ou não publicada ou transmitida, o que vai receber destaque ou o que é secundário.

A agenda dos meios de comunicação é um dos fatores que condicionam a maturação dos comportamentos desiguais e nos levam a refletir sobre o conceito de informação “socialmente necessária”. Um outro tipo de desigualdade é proveniente da diversidade das ofertas dos meios de comunicação. A maior parte da população mundial é submetida a conteúdos aleatórios sobre a própria cultura, mesmo se são comercialmente importantes nos lugares onde são produzidos. São exemplos desse fenômeno as informações veiculadas pelas grandes agências de notícias ou os canais à cabo. Anibal Ford ressalta que tem muita informação sobre certas culturas e pobreza de informações difundidas sobre outras culturas. Existe um déficit real, mas muitas vezes não notado, de informação “socialmente necessária”.

A informação socialmente necessária valoriza as questões de cidadania, igualdade ou justiça. Seja sobre a política, sobre a economia ou cultura, a informação que leve ao avanço da sociedade, que pense na dignidade do homem e que faça com que a notícia seja um instrumento de transformação das situações de desigualdade. Existem diversas formas de fazer propostas nesse sentido, como a criação de agências de notícias sobre os problemas sociais ou a produção de programas com temáticas sociais, como o programa “Vila Sésamo”, voltado para a inclusão e que propõe argumentos educativos e comportamentais, como a dificuldade em fazer amigos, de ser aceito, adoção e a solidão dos idosos.

O papel dessas iniciativas dá relevo aos argumentos sociais e oferece aos cidadãos um espaço para a publicação de iniciativas voltadas, por exemplo, para as minorias, os pobres e as crianças. No Brasil,  por exemplo, agências de notícias  como “Repórter Social” e “Projeto Colabora” dão prioridade a problemas de educação, saúde, sustentabilidade, habitação, ecologia, direitos humanos e trabalho.

Na mídia tradicional essas questões são quase sempre deixadas em segundo plano ou recebem tratamento sensacionalista, reportando casos de violência, acidentes ou frivolidades. A linguagem específica de um discurso socialmente responsável deve ainda ser construída nos meios de comunicação se no futuro o interesse de serviço público das mídias deve ser ampliado para combater a desigualdade e as fragilidades democráticas.

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