A escola que reproduz a opressão é aquela que não dá atenção ao aluno em dificuldade. A elite dentro da escola é a outra extremidade da divisão social que se reproduz no poder da palavra na vida em sociedade. Os conhecimentos e as dificuldades na vida são parte da formação do “capital autônomo” do aluno no seu percurso escolar e será legitimado pela escola tradicional primeiro por meio da linguagem, depois pela burocracia. O seu comportamento levará a uma situação social que prosseguirá na vida se o sistema não parar essa reprodução.
A consciência de não ter, não ser, de não poder é o primeiro passo para identificar a desigualdade. A desigualdade gera uniformidade e as pessoas se sentem prisioneiras de um estilo de vida e se vêem obrigadas a seguir um percurso determinado. A igualdade de condições sociais abriria a cada um deles possibilidades diferentes de ação e de existência, que seriam muito mais favoráveis ao desenvolvimento da personalidade e da individualidade. Essa consciência do poder é conquistada principalmente pelo domínio da palavra, da articulação da linguagem.
O livre jogo das diferenças depende da capacidade de criar oportunidades para mudar a forma de ver a realidade. A opressão que a desigualdade das oportunidades determina provém substancialmente da incapacidade de dizer aquilo que se sente e se deseja, enquanto a igualdade das oportunidades garante a liberdade de escolha.
O capitalismo prioriza à liberdade de ação na aquisição de bens e oportunidades, usando e abusando do poder normativo do direito para manter a ordem na gestão dos recursos. Um modelo contraditório e ambivalente que, apesar de oferecer liberdade e pluralismo, gera mais desumanidade, anonimato e fragmentação, além de opressão e burocracia. O direito econômico limita o direito à felicidade.
A consciência é a fonte de equilíbrio entre a ação e o sentimento de felicidade. Apesar de existir um grau de claridade que os olhos não podem suportar, não existe nunca claridade demais para a razão. A consciência da desigualdade na distribuição das riquezas é que estimula o desenvolvimento da sociedade. Acreditava-se que através do trabalho poderíamos reduzir essas diferenças, mas essas tentativas se mostram ineficazes em larga escala. Alguns conseguem usufruir do bem estar que o trabalho pode dar, mas a maioria não.
Na opinião de Durkheim, a divisão do trabalho deveria ser fonte de solidariedade entre as pessoas independente de causas sociais. Mas as condições orgânicas e psíquicas que a pessoa recebe ao nascer determinam gostos e hábitos que são uma predisposição para desenvolver algumas funções mais que outras. Essas predisposições exercem influência sobre a forma em que a felicidade se distribui. No entanto, instrumentos como educação e consciência podem mudar um percurso de vida. Um ideal de vida não é fato, mas a possibilidade de lutar por esse ideal sim.
Enquanto para os animais é o organismo que assimila os fatos sociais e os transforma em fatos biológicos, no ser humano as causa sociais substituem as causas orgânicas. Durkheim dirá que é o organismo que se espiritualiza. A consciência sozinha não consegue criar unidade se não se conhece bem os processos de desenvolvimento do cérebro e as medidas exatas para a evolução. Serve tanto para o crescimento individual, no sentido de ter consciência sobre a totalidade na qual está inserido, quanto para encontrar soluções melhores para a busca por um bem estar social.
A cultura é um diferencial. Mas não adianta oferecer cultura se não se aprende a se fazer uso dela. Um homem que vive como uma máquina não se desenvolve como um ser espiritualizado e não descobre o poder da solidariedade, o que coloca em risco a divisão do trabalho e a sua função originariamente democrática. Desde que nasce o ser humano desenvolve sua habilidade para a imitação, é assim que a criança começa a entender o mundo, imitando. É um elemento indispensável para a compreensão do ambiente e também para a compreensão do outro. Se as relações humanas não são solidárias, se não existe reciprocidade, o problema da desigualdade se estabelece.
Porém não é somente pelo instinto de imitação que as classes menos favorecidas querem alcançar melhores qualidades de vida. Essa ambição pela consciência nasce em terrenos cultivados, predispostos a enfrentar obstáculos que reduzam as diferenças.
O homem encontra a felicidade ao seguir a sua natureza e as suas necessidades. Mas nem sempre encontra felicidade no trabalho. Ao se confrontar com suas falhas e pontos fracos aparecem as desigualdades sociais, que quase sempre exprimem exatamente as desigualdades naturais que provêm da sua formação. Ter consciência dessas fraquezas e encontrar um ambiente solidário para se desenvolver, com melhores condições de formação e de luta, aumenta a coesão social. E a satisfação individual. Durkheim insiste, no entanto, que devemos limitar nosso horizonte. Escolher uma função e se empenhar totalmente, não procurando fazer de nós mesmos uma obra de arte completa, cujo valor está somente em si mesmo e não nos nossos resultados.
O trabalho é uma fonte de criação de oportunidades. Mas a igualdade entre as pessoas não depende somente do trabalho, do que se produz ou do que se ganha. Na verdade é a educação o fator que determina de que forma as características pessoais podem ser transformadas para fazer com que uma pessoa se sinta mais completa. E é principalmente graças à linguagem que a educação se transforma em um elemento fundamental no crescimento individual e na busca da felicidade.
As trocas linguísticas quotidianas são como um encontro entre agentes portadores de recursos e de competências socialmente estruturadas. O papel da linguagem no ambiente escolar é substancial porque teria a função de criar instrumentos de integração intelectual e moral.
Os contrastes entre distinção e valor social não se encontram na capacidade de falar, um recurso biológico, universal, solidário. A importância da linguagem é a aquisição de competências necessárias para usá-la de modo legítimo. O domínio da língua depende do patrimônio social que o indivíduo possui e da sua capacidade de traduzir os pensamentos dentro de uma lógica simbólica que determina a distinção. O que importa não são os vários sentidos que uma palavra pode ter, mas também a competência de dar significado às palavras.
As desigualdades nas oportunidades dependem da disponibilidade de capital linguístico que permite perceber as outras competências e, dessa forma, oferecer instrumentos de produção de competências e expressões legitimadas para se impor não somente na própria comunidade, mas em qualquer situação, seja no ambiente escolástico, político, administrativo, de lazer. Podemos dizer que as interações linguísticas, nas quais somos capazes de trocar algo de socialmente reconhecível, são a porta de entrada para as transformações e, consequentemente, permitirá que a divisão do trabalho e dos direitos na sociedade se refiram mais democraticamente a todos.
Todo indivíduo é produtor e consumidor das próprias produções linguísticas, mas nem todos estão em condição de aplicar nos próprios produtos aquilo que consumiram. Existem muitas diferenças entre os extratos sociais na produção linguística. Como demonstrou Labov, a classe média pronuncia com severidade as palavras, enquanto os operários são identificados com a posse e o uso de um vocabulário mais limitado. Assim como os imigrantes encontram dificuldade para se exprimir em uma nova língua.
A linguagem reflete portanto as condições sociais e a eficácia do discurso ritual, determinando o fluxo de oportunidades que aparecem ao longo da vida. O poder da palavra reside nas limitações sociais de seu uso e da disponibilidade da sociedade de oferecer condições favoráveis ao desenvolvimento da linguagem. O sistema escolar é a primeira tentativa social de tentativa de nivelamento linguístico, mas se a família não pode oferecer condições ideais de aprendizado, como nas famílias de baixa renda, o aluno certamente encontrará dificuldades no seu percurso escolar que o levará a encontrar outros obstáculos no mundo do trabalho. O papel do pai e da mãe nessa evolução é substancial.
Existe uma relação direta entre a origem familiar e as possibilidades de desenvolvimento intelectual. O capital linguístico é uma influência e uma medida de avaliação do indivíduo. A linguagem não é somente um instrumento de comunicação, ela fornece a possibilidade de manipular estruturas cada vez mais complexas de pensamento. A escola, portanto, tem papel fundamental no bloqueio da reprodução da desigualdade no uso da linguagem.
A impossibilidade de reação contra a hierarquia do sistema escolar provém da dificuldade de construção de um discurso do poder que consegue se confrontar com aquele institucional. Um dos mecanismos que permitem à escola de determinar o percurso dos estudantes é aquele de direcionar o ensino a partir da origem social. Os estudantes provenientes das classes menos favorecidas não recebem estímulos suficientes para se sentirem capazes de procurar uma profissão típica da classe média, assim como aqueles da classe média não se sentem seguros para tentar uma carreira nos negócios ou no poder. O domínio da linguagem do poder é uma forma de fazer com que a linguagem não seja mais somente um instrumento de comunicação, mas uma forma de entender a autoridade pedagógica da escola e o conteúdo que é comunicado.
A relação entre a escola e as classes sociais repete as estruturas do habitus de classe, as disposições e as predisposições das práticas adequadas à vida escolar representam o funcionamento e a perpetuação das estruturas das classes sociais. O sistema de ensino e as estruturas de classe fazem parte de uma manifestação objetiva da perpetuação de um modelo pré-estabelecido que recusa as mudanças. Surge assim a necessidade de criar táticas de comportamento e de comunicação que podem se confrontar com o poder representado pelas instituições.
Uma pesquisa realizada por Bihr e Pfefferkorn mostra como o comportamento diferenciado explica a articulação do sistema. Os estudantes das classes privilegiadas procuram enfrentar os desafios da escola com mais empenho, dedicam mais tempo aos deveres, à leitura e podem ter acesso a outras atividades como a música, o esporte, etc. A discriminação entre essas práticas é uma outra realidade, onde normalmente é a televisão a principal referência da criança, é um exemplo de como a realidade escolar reflete diretamente essas diferenças na vida social. Mesmo se as famílias mais pobres vêem a escola como um instrumento de promoção social. A ambivalência subjetiva é a característica mais importante da relação entre as famílias das classes populares e a escola.
A desilusão é um dos fatores que reduzem o potencial do indivíduo porque coloca em discussão a sua autoestima e pode criar problemas para o seu ingresso na vida ativa. A precariedade e a ausência de trabalho criam um sentimento doentio em um grupo social que não se respeita, que procura se justificar colocando a culpa nos outros, que não consegue encontrar respostas porque não sabe onde buscar. A relação entre o sucesso na escola e a origem social é uma forma de segregação escolar que pode se tornar social, como acontece entre as escolas de periferia e as escolas de excelência.
Assim também os meios de comunicação refletem a desigualdade ao compartilhar valores da elite e dificultar a compreensão das mensagens. A distribuição da informação é desigual. Violência, vandalismo e confrontos com a polícia são os principais assuntos relacionados às classes mais pobres. A criação de um retrato de uma classe perigosa contribui para reforçar a interpretação espontânea de um mundo à parte, que não pode ter as mesmas oportunidades, seja de educação, de trabalho e também social.
A desigualdade é influenciada pelas desigualdades de capital cultural e escolar acumulados na família e na comunidade de origem e pode ser confirmada pelos meios de comunicação. A pobreza não é um problema só de ter ou não ter, é um modelo existencial que se mostra na expropriação dos meios de produção e de consumo, nas rendas insuficientes e irregulares e também na ausência de patrimônio.
Mais grave que a pobreza é a ausência de poder, que pode ser verificada na ausência de controle sobre as condições materiais e institucionais da sua situação, a precariedade (a fraca capacidade de enfrentar os riscos da existência) e a dependência institucional (em especial em relação aos órgãos de proteção social) que resultam dela, a fragilidade das redes de socialização (lugar de trabalho, vizinhança, associação), muitas vezes limitados à família, à ausência sobretudo de capacidade política (de capacidade de conflito, de capacidade de transformar as condições com a luta coletiva e as mediações organizadoras ou institucionais).
A pobreza é principalmente um defeito de saber. O problema não é a falta de qualificação escolar, o capital escolástico representado pela ausência de títulos escolares ou culturais. O pior é, fundamentalmente, a fraca capacidade de simbolizar, de construir uma representação coerente do mundo, se situar e se orientar para transformar o poder em vantagem. A pobreza é multidimensional, ela revela um processo cumulativo. É a acumulação de defeitos, de falhas, de faltas, de desigualdades que se reforçam reciprocamente.
Não é simplesmente a legitimação de um poder que já se possui ou a acumulação de títulos escolares que fará a diferença. Os lugares no mundo econômico e político já estão ocupados, existe um controle na elaboração e na difusão do saber e da informação, por meio principalmente das instituições de ensino e dos meios de comunicação. Para sobreviver é preciso desenvolver táticas para vencer a cultura dominante imposta como oficial e valorizar a própria cultura, os próprios gostos, estilos e valores. A principal tática é a compreensão da consciência da desigualdade.
Vivemos em um sistema social no qual predomina a desigualdade de chances e a dificuldade de mobilidade social. A democracia admite a desigualdade dos resultados e assim ratifica a desigualdade das possibilidades. A democratização das possibilidades diante da instrução se confronta com obstáculos óbvios e, em especial, com as motivações das famílias. Por outro lado, corre o risco de ameaçar o sistema de instrução na sua função primária, que é a sua função de formação. A igualdade na educação é, portanto, o principal determinante da igualdade ao longo da vida.
O imobilismo social começa na qualidade de educação recebida. A desigualdade no acesso à uma boa educação pode ser determinante na reprodução das classes sociais, ou seja, na desigualdade das possibilidades. A possibilidade de seleção, a ampliação dos campos de decisão, a meritocracia ou a dominação, todos são fatores que influenciam no sucesso individual nas escolhas profissionais e de vida. O mecanismo de repetição pode ser rompido se a estrutura das possibilidades se desestabiliza. E o primeiro passo que a escola oferece para ampliar a ambição escolar é o domínio da linguagem, esse é o principal capital para a transformação social.
A luta pelo poder é vista como um aspecto negativo da natureza humana porque revela na sua história mais sofrimento que felicidade, mais crueldade que bondade. Provavelmente isso se deve à conotação econômica que o poder conquistou na história da humanidade. A procura pelo bem estar é natural no homem, que constantemente sente a necessidade de adquirir mais e mais coisas. A economia no sistema capitalista caminha assim e é essa busca que coloca em movimento o progresso.
A palavra “poder” oferece um processo de semiótica ilimitada, uma fuga sem fim de interpretações possíveis. Interpretar os diversos sentidos que esse termo pode ter é buscar a origem de outro termo, a cidadania. Poder e cidadania são dois irmãos semióticos que se perseguem.
Poder é ter força, capacidade, possibilidade, liberdade de fazer algo, ter disponibilidade, eficácia e influência. É poder fazer ou não algo. É autoridade, direito de exercer alguns atos. Ter cidadania é ter poder. Poder que se conquista principalmente através da educação e do trabalho. Chegar a essa condição é, em certo sentido, um poder individual, mas a inserção na comunidade e a participação na coletividade é um fator que não pode ser descartado. O suporte da família, o estímulo da escola, o apoio dos colegas de trabalho, as associações garantem a cidadania, um conjunto de conhecimentos, competências e formas de ser para adquirir responsabilidade, fazer escolhas e atingir objetivos.
As associações são um dos principais fatores desse processo, são construções que ligam forças e competências individuais a sistemas naturais de ajuda recíproca e comportamentos ativos com políticas e transformações sociais. Ter poder é ter autonomia. É a capacidade individual ou dos grupos de ter o poder de decidir sobre as questões políticas, econômicas, culturais e psicológicas. Mas na pobreza se encontra o obstáculo mais expressivo porque aparece a impossibilidade e a condição de aproveitar esse direito, de ter liberdade de ação.
A dificuldade em planejar a própria vida e o destino é um dos motivos que limitam o direito à cidadania, fazendo com que a sua participação seja condicionada por fatores externos. E como no momento atual estamos inseridos na sociedade da comunicação, da informação e da tecnologia, ter poder sobre esses elementos é condição para se atingir esse poder. Deve ser direito das crianças e dos jovens ter condições de desenvolver um modelo de cidadania em que o poder seja mais igualitário e democrático. O domínio da informação e dos processos de decodificação da tecnologia existente deve ser parte de uma estratégia de transformação social indispensável à cidadania.
A ligação entre a educação e a conquista do poder é a construção de um percurso estruturado com a finalidade de conduzir os alunos a um progressivo conhecimento de si mesmo, do ambiente no qual estão inseridos e dos modelos de aprendizagem, apesar das atitudes pessoais. É necessário ajudá-los a começar a refletir com uma certa consciência e autonomia sobre o que já foi adquirido como saber nas escolas e sobre como usar a própria bagagem de conhecimentos. Aqueles que estudam aprendem a defender si próprios e o seu direito à uma existência digna, além de desejarem lutar pelo seu futuro, pretendem lutar também pelo seu presente. Os jovens temem entrar em um mundo ocupado pelas gerações anteriores e ter que carregar, como hereditariedade, os problemas que os adultos sofrem, que envolvem obstáculos do presente e o peso do passado. A ameaça do amanhã fornece uma imagem terrível. Por isso os jovens tendem a dar o seu melhor no presente, com a esperança de ter um futuro melhor.
É uma forma de pensar e ver a história que apenas a educação pode oferecer porque dá ao indivíduo a consciência do poder de fazer a história, de mudar o futuro e de tornar vantajoso o presente. A defesa de um sistema educativo que reforce esse processo de dar poder aos estudantes é fundamental para a construção da cidadania consciente e para o fortalecimento da democracia. A escola, além de dar conteúdo, deve ser uma parceira na procura por uma independência intelectual. Aprender a entender a história não é o mesmo que aprender a compreender o presente. Na escola seria preciso aprender a escrever a história e não somente decorar o que já aconteceu.
Na prática, a educação oferecida às classes mais baixas serve para formar pessoas que devem trabalhar com qualidade para aqueles que são dominantes. E a educação de elite se dedica a desenvolver a consciência de como perpetuar o poder. O princípio da educação dos mais pobres é o de evitar a delinquência e a ignorância, enquanto a educação da burguesia é oferecer capacidades de construção de consciência sobre os próprios talentos e aptidões. A linguagem é o principal capital disponibilizado pela escola, a construção do discurso é um caminho para adquirir consciência e poder.