Pesquisa e ação na educação ao desenvolvimento

A educação é um percurso não só cognitivo, mas também estético, no qual a compreensão, o discernimento, o refinamento dos gostos e a contemplação são envolvidos. Nesse sentido, a educação aos meios de comunicação, a educação digital, é uma redescoberta de valores estéticos que por si mesmos levam a uma nova valorização  da existência redescobrindo e estimulando o desejo atávico de cada ser humano pelo saber e o desenvolvimento da sua própria existência. A relação educação/comunicação é muito complexa porque, como adverte o pesquisador argentino Jorge Huergo, a comunicação não é sempre educação, nem o contrário, por isso não se pode reduzir somente às práticas sociais e profissionais de cada uma delas. Existe um risco de reduzir a educação às questões da comunicação e ao tecnicismo, assim como fazer com que a comunicação seja uma relação teoria/prática que não corresponde à sua complexidade. A consciência dos sentidos da cultura dos meios de comunicação e dos processos de comunicação na cultura estão entre as soluções que Huergo propõe para uma política de educação à comunicação pensada para o desenvolvimento da sociedade.

Ao refletir sobre a socialização dos meios de comunicação, Letizia Baroni propõe uma prática educativa que prevê um processo através do qual as crianças adquirem conhecimentos, saberes e competências sobre as mídias através da sua participação em um mundo social que elaborou ideias culturais específicas relacionadas às mídias, os seus usos, os seus conteúdos, o seu papel na vida quotidiana. Assim, o conceito-chave de educação às mídias seria a representação do simbólico, ou seja, conseguir ver a diversidade, a manipulação e a riqueza incalculável embutida na cultura. 

A educação, desde a mais tenra idade, deve despertar e formar nas pessoas a vocação e a capacidade de aproveitar não somente os livros, o teatro e os museus, mas também o cinema, o rádio e a televisão e as reproduções das suas obras pictóricas e musicais. Para alcançar esse objetivo ideal e conseguir uma maior eficácia necessitamos planejar um pouco mais, devemos ir concretizando um currículo bem fundamentado e com sensibilidade.

O debate sobre a política de educação aos meios com o propósito de pensar ao desenvolvimento, além do aspecto econômico, se divide entre o uso da psicologia social e cognitiva e os estudos culturais. A escola é assim o lugar onde esses campos do saber devem se articular, visando o desenvolvimento da capacidade de leitura da representação do simbólico e do acúmulo de “capital cultural”, mas também de uma estrutura emocional cognitiva que permita ao indivíduo ter confiança em si mesmo e nas suas capacidades de comunicação e de expressão. Capital cultural é o conhecimento e a experiência concreta de estilos diferenciados de expressão e comportamento – que são vistos como legítimos. Nesse processo, outras experiências e comportamentos podem não ser considerados legítimos e até mesmo socialmente inúteis.

O teórico social David Buckingham afirma que a escola tem sido vista como o principal espaço de reprodução das desigualdades sociais existentes e que uma das suas funções seria distinguir entre aqueles que, principalmente por causa da sua classe social, têm capital cultural legitimado e aqueles que não o possuem e nem podem se permitir obter. Buckingham defende então uma nova possibilidade, que a escola seja também lugar de produção cultural, que uma sala de aula possa ser um microcosmo de uma sociedade civil mais tolerante e igualitária, e a esperança de que a educação possa começar a remediar algumas das desigualdades mais óbvias de capital cultural.

Além do tecnicismo é possível uma formação produtiva, oferecer as bases para a construção de uma identidade na qual a criatividade seja o ponto de referência. José Maria Toro demonstra que podemos ser uma pessoa muito produtiva, mas não necessariamente criativa, e que nem sempre a criatividade gera produtos sãos e inocentes para a sociedade.

Ao longo da vida nossos repertórios de informações, como o discurso, a ideologia e a cultura social podem ser ostentados a partir do nosso nível de alfabetização, a capacidade de fazer inferências e produzir significado. Ler e escrever não são atividades desconectadas, são processos simultâneos e interativos e mesmo quando estamos no “modo leitura” estamos construindo e escrevendo significados. Assim como os escritores ao escrever lêem os significados do que escrevem não apenas como leitores de si mesmos, mas também atuando como se fossem leitores imaginários dos seus próprios textos. A alfabetização é o uso consciente que um indivíduo, como leitor ou como escritor, faz dos seus repertórios novos ou em expansão.

Paulo Freire falava do diálogo-reflexão-ação no processo de educação e o ensino na era da tecnologia não pode desprezar essa necessidade de diálogo e movimento no aprendizado. Temos nas nossas mãos, enquanto educadores, a mais importante de todas as tecnologias: o pensamento e a palavra. E são extremamente úteis diante dos desafios socioeconômicos. Projetos bem sucedidos em educação à comunicação com públicos marginalizados demonstram que existe um caminho, assim como o esporte, a música, a cultura, a ser desvendado para ampliar e fortalecer o uso da comunicação como ferramenta realmente democrática.

Entre os projetos, citamos o italiano “Nuove Opportunità”, de Rimini, direcionado para jovens entre 15 e 20 anos em situação de risco social, que sofrem marginalização, vivem em risco de pequenos delitos, uso de drogas e ausência de apoio emocional, social, psicológico e físico,  além da falta de estímulos. Aos jovens são oferecidas oportunidades para fazer amigos, conhecer vários campos profissionais e sugestão de percursos de vida diferenciados. A comunicação e a expressão são as competências desenvolvidas nesse projeto através de atividades com jornalismo, teatro, educação artística, cinema em um contexto de laboratórios expressivos com a finalidade de mostrar as relações possíveis entre a vida deles e a realidade, filtrando o sentimento de inadequação sem enfrentar diretamente o problema.

Em Bolonha, o projeto “Mirror”, financiado pela Comissão Europeia através do “Community Action Programme to Combat Discrimination”, tem o objetivo de identificar a avaliar a discriminação que grupos minoritários podem sofrer nos meios de comunicação. A representação desses grupos é necessária para o diálogo e a inclusão. Também nesse projeto são realizados laboratórios de educação à comunicação com adolescentes italianos e imigrados que revelam uma maior capacidade de se narrar e aprendem a noção de poder do domínio da linguagem. As pesquisas realizadas pelo projeto revelam também como as pessoas com necessidades especiais são representadas na mídia como incompetentes, improdutivas, com necessidade de assistência, enquanto os jovens imigrantes são vistos como delinquentes, perigosos e não integrados, assim como os italianos provenientes de famílias com dificuldades econômicas são vistos como difíceis de se relacionar e com maior risco de criminalidade.

Essa posição de subordinação dos grupos discriminados produz efeitos destruidores no processo normal de desenvolvimento da identidade. E os adolescentes são os mais expostos a esse risco e pressão por causa da fase transitória mas muito intensa que estão atravessando. Esses adolescentes muitas vezes se consideram incompetentes, incapazes de mudar as situações, se sentem anormais, não adequados para o papel positivo de protagonistas da própria vida. O acesso limitado aos meios de comunicação para os membros desses grupos, determinado por diversas razões, contribui para a criação de um ponto de vista dominante que estabelece a norma para a “normalidade”, enquanto a diversidade dos pontos de vista poderia certamente ajudar a redefinir a normalidade e enfrentar o preconceito e a discriminação.

A educação aos meios de comunicação para jovens e grupos sociais em situação de dificuldade social é o desafio democrático que a teoria da comunicação propõe nesse trabalho. A partir da cultura desses indivíduos vamos criar modelos educativos significativos que possam concorrer com os estímulos socioculturais predominantes. As memórias e vozes desses grupos precisam ser mediados e inseridos no contexto da cultura contemporânea. É um desafio de inclusão comunicativa que faz parte de um contexto muito maior que aqui identificamos como inclusão digital, ou inclusão tecnológica, porque como tantos outros campos do saber, também a comunicação atualmente é parte dessa transformação social tecnológica na qual estamos inseridos.

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