Projetos de educação aos meios de comunicação da Unesco e Unicef

Estar no mundo, existindo e pensando como cidadãos, é um trabalho difícil e pede uma participação ativa individual. O papel da autoridade e das organizações civis nessa formação é prioritário e reflete o grau de democracia de uma sociedade. Obviamente podemos ver que o conceito de democratização é relativo de uma realidade a outra porque existem diferenças históricas e culturais. Impor comportamentos democráticos de um país para outro é um erro de avaliação nos programas de políticas públicas em qualquer setor. A informação e a educação são também reflexo de uma sociedade e não somente de direitos adquiridos. 

Porém deve ser bem claro que o poder proveniente tanto da informação quanto da educação é um instrumento importante de construção. Em um panorama mundial, encontramos experiências que procuram aproximar as pessoas ao uso do poder dos meios de comunicação. E não apenas nos países em desenvolvimento. A agência internacional Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) é um dos órgão da ONU que se dedica à pesquisa e desenvolvimento de projetos na área da educação aos mídias. O Relatório McBride, nos anos 1970, como há citamos, foi o ponto de partida para a proposta de estratégias  de uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (NOMIC). 

O direito à informação tem sido ao longo dos anos uma das discussões mais controversas entre os países. Por isso o ponto fundamental é conhecer a história para entender o presente. A política do uso da informação segue o vento do monopólio e uma baixa qualificação geral para a compreensão ou produção da informação. A fragmentação no desenvolvimento das habilidades de comunicação é uma das principais dificuldades encontradas para superar as desigualdades.

Recebemos informações e formamos nossas opiniões essencialmente por meio dos meios de comunicação, com predomínio dos meios digitais. O novo poder está nos códigos das informações e nas imagens da representação em volta das quais as sociedades organizam as suas instituições e as pessoas desenvolvem a sua vida e decidem o seu comportamento. O lugar desse poder, dirá Manuel Castells, é a mente das pessoas. A informação seria o bem fundamental que permite o desenvolvimento de outros benefícios na vida em comunidade. Tomás Pedroso Herrera nos lembra que os meios de comunicação são os principais agentes para a construção de uma sociedade civil forte. 

Um dos primeiro programas da Unesco para o estímulo do uso da comunicação como poder político foi o “Information for all Program” (IFAP), um programa intergovernamental para promover o acesso universal às informações e ao conhecimento. Aprender a decifrar as informações seria o caminho para a prosperidade das sociedades em desenvolvimento, educando os indivíduos para a coleta, avaliação uso e produção de informações para realizar os seus objetivos pessoais, sociais, profissionais e educativos. Saber interpretar e avaliar a fontes de informações promove a inclusão social, ao ter a possibilidade de obter informações sobre a sua saúde, o seu ambiente, a sua formação e sobre o seu trabalho, permitindo tomar decisões conscientes em relação à sua vida.

É preciso desenvolver a habilidade para usar as técnicas da comunicação e as suas aplicações para ter acesso e gerar informações. Além de suporte tecnológico, é necessário também suporte intelectual e político, como aponta outro projeto, o “International Programme for the Developement of Communication” (IPDC), que investiu 90 milhões de dólares em mais de 1000 projetos em 139 países. Um desses projetos foi o “Desenvolvimento da televisão comunitária no Rio de Janeiro”, a TV ROC, que produziu entre 2006 e 2007 programas educativos, notícias da comunidade, eventos culturais, políticos e de consumo relacionados à favela Rocinha. Alunos de graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro em Comunicação participaram do processo junto com a população local envolvendo realidades e aprendizados que revelam a desigualdade também nos processos de comunicação.

Projetos como esse criam mão de obra que pode ser reaproveitada em outros ambientes estimulando a conexão entre diferentes comunidades, promovendo desenvolvimento profissional e garantindo a continuidade de projetos. Uma das preocupações é também envolver as mulheres e aumentar a sua participação nas decisões. Novos paradigmas que paulatinamente vão sendo agregados ao capital social e cultural das comunidades ampliando as possibilidades de comunicação. 

Em 2006 a Unesco publicou o estudo “Innovative Practices of Youth Participation in Media”, de Sanjay Asthana, que demonstrava que a produção de informação pelos jovens pode reduzir as situações de marginalização e exclusão. Foram realizadas experiências em Gana, Haiti, Índia, México, Moçambique, Nigéria, Somália, África do Sul, Vietnã, Zâmbia e Kirguisistão, em que os jovens aprenderam diversas atividades, como as técnicas de operação das mídias, a produção, a divulgação das habilidades para o desenvolvimento e – não menos importante, digamos até mesmo essencial – o olhar crítico sobre o conteúdo das produções.

Além das questões técnicas, é essencial que os jovens se aproximem da prática do jornalismo responsável nos jornais, televisão, rádio, e os meios digitais, que sejam agentes ativos e possam entender e interpretar a sua comunidade e mundo onde vivem, incentivando a imaginação, a criatividade e ideias novas. Esse processo de aprendizagem, relacionando a a atividade educativa e a experiência viva dos jovens, é dialógico e expansível, necessário para as políticas de desenvolvimento.

Ao se envolver com os meios de comunicação e as suas produções, os jovens aprendem também sobre si mesmos e sobre o mundo em volta deles. Através dos jornais, da rádio, da televisão, dos conteúdos digitais, eles elaboram conceitos abstratos das mídias podendo traduzir em ideias significantes e relevantes para a vida. Alguns dos projetos investigados nesse estudo foram:

– “Câmara Ahí nos Vemos”, do México, em que crianças e jovens aprendem técnicas de televisão e vídeo para produzir documentários sobre as suas comunidades, com ênfase em assuntos como desocupação, corrupção, uso de drogas, direito das crianças, violência urbana e família.

  • “Trendsetters”, do Zâmbia, jovens produzem jornais, cartazes e catálogos sobre direito à saúde, em especial doenças sexualmente transmissíveis.
  • “Cybermohalla”, da Índia, jovens trabalham em laboratórios multimídias para produzir desenhos animados, conteúdos digitais, textos com imagens e gráficos, livros eletrônicos.
  • “Young Journalist Group”, do Vietnam, jovens produzem programas de rádio. 
  • “Bush Radio”, da África do Sul, programa de rádio produzido por crianças e jovens sobre criminalidade, saúde e educação.
  • “Youth Broadcasting Initiative”, da Somália, em que jovens produzem programas locais de rádio a partir da sua realidade social.
  • “Mundo sem Segredos”, de Moçambique, em que jovens entre 12 e 15 anos produzem programas de rádio com o objetivo de discutir o problema das doenças sexualmente transmissíveis, especialmente sobre a AIDS. Um kit é elaborado e distribuído nas escolas.
  • “Action Health Participatory Video Project”, da Nigéria, produz documentários, programas de entrevistas e curtametragens.
  • “Curious Mind”, do Gana, são programas de rádio realizados por jovens sobre os direitos da infância.
  • “Mapping the Neighbourhood”, da Índia, em que crianças aprendem geografia e  paisagem local com o uso de novas tecnologias como “Personal digital assistants” (PDA) e “Global positioning systems” (GPS).
  • “Timoun ak Medya”, do Haiti, as crianças aprendem a “trabalhar” como jornalistas e são estimuladas a escrever histórias para jornais, programas de rádio e de televisão.
  • “Children’s Media Center”, do Kirguisistão, em que jovens entre 13 e 20 anos produzem vídeos sobre o direito das crianças. 

Os novos paradigmas da comunicação mostram que as palavras e imagens são cada vez mais potentes. Os efeitos das novas tecnologias de informação e comunicação  (ICT) ainda estão sendo estudadas e para os educadores deve interessar principalmente como as crianças e jovens entendem as informações e como desenvolvem as suas capacidades criativas com as novas ferramentas, ou seja, não apenas consumidores, mas indivíduos capazes de refletir, questionar e produzir. Não só criar, mas se sentir satisfeito com a própria criação para fazer com que a experiência seja produtiva também do ponto de vista emocional. Despertar a criatividade não é simples em uma realidade difícil e carente. Diferente da Inteligência Artificial, o ser humano precisa das emoções para produzir. 

Ao se desenvolver uma habilidade, o indivíduo tem mais fé na própria existência e crença no futuro. O algoritmo também está presente na humanidade, o reconhecimento do que está sendo produzido, chegar a um resultado satisfatório nas suas ambições e projetos, transmite a sensação concreta de pertencimento, conecta experiências, orienta ações futuras. Curiosidade, criatividade e motivação dependem do nível de frustração ao qual somos expostos.

A frustração é um estado afetivo resultante da ocorrência de um obstáculo que impede a satisfação de uma necessidade, um sentimento que surge no indivíduo diante de uma incapacidade de atender às suas expectativas e a dos outros. Tais demandas podem ser consideradas fontes contínuas de sentimentos de revolta, desesperança e depressão, próprios da natureza humana, e dependem da história de vida do indivíduo, de suas características e do contexto no qual ele está inserido.

A frustração pode ser compreendida como a representação de um objeto impeditivo da realização de uma necessidade, algo externo ao sujeito, ou seja, um obstáculo ou um evento ou um sentimento negativo, representando insucesso ou tristeza por não se ter alcançado uma meta.

Para atuar positivamente contra o elevado nível de frustração que crianças e jovens podem lidar diariamente na relação com os meios de comunicação, a Unicef (United Nations Children’s Fund), depois do “Oslo Challenge”, festejando o décimo aniversário da Convenção dos Direitos das Crianças da ONU, em 1999, criou o projeto “MAGIC – Media Activities and Good Ideas” para estimular e educação aos meios de comunicação em todo o mundo. Crianças aprendem a fazer programas de rádio e televisão,  a escrever artigos para jornais e revistas, publicar textos na Internet. A ideia é oferecer um ambiente protegido e de suporte para que as crianças aprendam a fazer suas escolhas não somente como consumidores, mas também como cidadãos. 

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