O conceito de igualdade

É necessário, na expansão tecnológica, redistribuir o poder. Mas a tendência é cada vez mais a concentração, de renda, de informação, de poder. Ao contrário da democratização, assim temos cada vez mais fragmentação, dispersão, hermetismo e discriminação. Em uma palavra, desigualdade. 

A desigualdade é disparidade, que pode ser objetiva ou sistemática, na possibilidade e capacidade de controlar os recursos disponíveis na sociedade. Se por um lado esses recursos são ligados à esfera do poder e à influência social, por outro lado os privilégios determinam os níveis de vida dos indivíduos e dos grupos e o grau de desejo social das condições de existência. A condição de igualdade existe quando as pessoas têm a mesma capacidade de controle sobre os recursos e vivem em harmonia. 

Igualdade não é uniformidade, demonstra Anthony Guiddens. A uniformidade é um controle das diferenças. Ser diferente tem a ver com as características, de ordem material ou simbólica, diante das quais procuramos nos diferenciar e atribuir significado à própria existência. A noção de diferença está ligada aos processos de formação e de conservação das identidades individuais e coletivas, com as escolhas relacionadas aos projetos de realização pessoal. O conceito de uniformidade se refere ao compartilhamento de características, é a redução do desejo de distinção a favor da vontade de pertencimento. 

 Já a desigualdade é uma desvantagem. Transforma a diferença em uma não igualdade dos direitos humanos, das necessidades e dos desejos. É a questão de ter poder ou não. E o poder tem origem no domínio do conhecimento. Aqueles que conseguem primazia em uma situação social não são simplesmente pessoas que acumularam capital ou propriedades, mas são também capazes de ampliar os seus conhecimentos e desenvolver diversas competências. Por isso desenvolver o poder deve ser uma das principais estratégias contra a desigualdade.

O poder direto consiste na possibilidade de emitir ordens e de obter obediência em organizações específicas, enquanto o poder condicionante é definido como a capacidade de estruturar a situação social em sua própria vantagem. Não é só uma questão de distribuição de bens ou renda, na desigualdade é fundamental o conflito de poder.

Como demonstra Giddens, ao lado da autoridade e do poder direto existe o poder condicionante usado para influenciar indiretamente o que acontece em outras esferas da vida. A ameaça à hegemonia dos mais poderosos faz com que a ideia de unificação ou de uniformidade para garantir os direitos tenha sido substituída por uma espécie negativa de fragmentação, na qual o indivíduo procurar fazer tudo da forma mais semelhante  possível, mas sem a capacidade de colocar no contexto da vida de grupo ou da própria existência.

A igualdade das oportunidades é avaliada através do sucesso individual a partir de características como classes, gêneros, gerações, raças ou etnias e quase sempre se confronta com a liberdade, com a eficiência e com a equidade.

A igualdade, para o economista indiano Amartya Sen, é uma extensão do conceito de oportunidade. A igualdade justa seria a liberdade em adquirir condições de vida desejadas. Não é diante dos resultados conseguidos por um indivíduo ou um grupo – e, portanto, da sua comparação com aqueles obtidos por outros sujeitos – que se pode decidir se uma estrutura de igualdade é justa. O juízo de igualdade deve ser fundamentado, porém, sobre a avaliação da possibilidade do indivíduo ou do grupo de desenvolver as capacidades necessárias para atingir, se desejam, aqueles resultados. Estabelecer uma sociedade de oportunidades iguais seria fornecer de forma ampla condições para desenvolver as capacidades individuais.

O processo educativo e a participação democrática nos meios de comunicação são elementos essenciais nas políticas de aquisição de competências. O critério do reconhecimento, porém, não é confinado aos ordenamentos sociais específicos. Ele comporta uma plena inclusão de quem se reconhece como igual dentro de um determinado grupo social. Como reflete percepções e avaliações subjetivas pode, portanto, conviver com desigualdades objetivas também consistentes.

Nas percepções e avaliações subjetivas do papel em sociedade surge também uma diferença importante entre os tipos de desigualdade que encontramos em um tecido social. 

De acordo com a divisão proposta por Giddens, a desigualdade pode ser normativa ou factual. No caso da normativa, os indivíduos podem encontrar dificuldade em realizar determinados atos ou de exercer algumas funções porque não têm as características previstas pela norma de lei ou de costume. 

A desigualdade factual é a plena igualdade de todos, independentemente de qualquer outra característica, como o pertencimento a uma classe social. Visto que as classes sociais são um conjunto de indivíduos e de famílias com uma mesma relação social e controlam os mesmos recursos no trabalho e na vida em comunidade, a estrutura de classe se articula também sobre um elemento hierárquico que é admitido por todos os seus componentes – essa situação permite assim que exista uma relação de desigualdade admitida coletivamente.

Nessa situação, se uma sociedade apresenta possibilidade de passagem de uma classe para outra, com a consequência que os componentes de segunda e terceira geração de cada uma delas se tornam relativamente numerosos, então as classes podem, como demonstrou Max Weber, desenvolver uma própria identidade demográfica e se transformar em comunidade de destino ou, como considerava relevante Giddens, em coletividades socialmente visíveis. Nesse caso, além das condições de vida quotidiana, as classes podem condicionar e tornar homogêneas também as convicções e os comportamentos dos indivíduos. 

Habermas se inspira nessas reflexões para concluir que a classe social não é tão importante quanto antes porque perdeu relevância em relação às possibilidades individuais de desenvolver capacidades e acumular competências.

Encontrar formas de inclusão em uma sociedade baseada na diferença é um dos desafios sociais mais difíceis. A cultura da diferença não é efeito da globalização, esse fenômeno inevitável não é uma porta para a perversidade, é resultado de um percurso que a humanidade resolveu trilhar ao valorizar o capital e o poder. 

A questão da ética pública, ao tratar o princípio da equidade entre os indivíduos, não foi enfrentada de forma eficaz, o problema das minorias requer uma atenção especial, assim como o respeito à identidade cultural e modalidades de pertencimento e de enraizamento.

Verificamos que as intervenções de política social e econômica devem considerar a ameaça das possibilidades de exclusão. Trata-se sobretudo de habilitar todas as pessoas para construir entendimentos e de lhes oferecer condições de realizá-los. Por essa razão, enquanto ainda são relevantes os problemas relativos à relação (também de poder) entre atores e entre esses e os sistemas, adquirem hoje maior relevância que no passado as modalidades de constituição do sujeito e as modalidades de comunicação que têm uma função social constitutiva. 

Um outro fator a ser considerado na análise das diversidades é a diferença de gênero, que é a razão de tanta disparidade ainda existente nas sociedades ocidentais – sem falar das sociedades orientais, porque ali a disparidade entre os sexos é muito mais resistente. O problema da desigualdade está cada vez mais presente no debate público sobre a paridade e o acesso legal de representação política. Um dos aspectos é a influência da escolaridade e da atividade de trabalho da mãe na vida escolar das crianças. De acordo com as pesquisas realizadas na França, as crianças aprendem mais e têm notas melhores quando as mães estão disponíveis para ajudar no dever de casa. O mesmo não acontece se é apenas o pai que pode dar esse suporte. 

O destino escolar das crianças depende do conjunto de características sociais e demográficas do meio familiar. A situação da mãe, o seu nível de estudos e as suas atividades tem um papel específico e influencia fortemente na transmissão da cultura escolar e na mobilização familiar em favor do bom desenvolvimento escolar das crianças. Por isso é importante ressaltar o papel da família nos processos de desigualdade. 

A transmissão da hereditariedade cultural dos pais aos filhos é menos conhecida que aquela da hereditariedade econômica. A hereditariedade cultural se completa ao longo do processo de educação, nas mil e uma interações da vida quotidiana, dentro do círculo familiar mas também nos aspectos de socialização que existem a partir da família. Julia Kristeva acredita que a mulher, como mãe, tem um papel muito especial no processo de educação do indivíduo e representa, na “cultura das palavras”, a ponte que pode interagir entre a sensibilidade e o racional.

É imensa a responsabilidade das mulheres na sobrevivência da espécie. Como se pode preservar a liberdade dos próprios corpos oferecendo condições de vida ideais às nossas crianças? As mulheres nem sempre podem dar valor a si mesmas enquanto os filhos solicitam atenção, cuidado, alimentação adequada. Cabe às mães a reabilitação do sensível, o contato, a leitura, a canção nos primeiros momentos de vida. Mas aos poucos a cultura da imagem, a sua sedução, sua rapidez, sua brutalidade e leviandade vai deglutindo  a cultura das palavras, a narração e o lugar que ela reserva à meditação. As mães se debatem entre preservar a espécie e o fatalismo a que são submetidas.

O direito à educação  é a pedra fundamental na construção de uma sociedade mais igualitária e no empoderamento das mulheres. A diferença entre os sexos deve ser considerada do ponto de vista de um conjunto de relações sociais no qual esse é um elemento a mais.  O problema se encontra nos processos e estruturas da sociedade que se produzem e se reproduzem na sua totalidade e por isso não se deve isolar o problema das outras dimensões da realidade social, como acontece frequentemente nos estudos de gênero e nos estudos femininos. É preciso recolocar as relações sociais entre os sexos dentro da totalidade social e da dinâmica social global que os determina e onde estão inseridos.

A emancipação das mulheres não deveria excluir a participação dos homens. Lutar pela emancipação das mulheres seria também lutar contra as atuais relações de exploração e de dominação que atingem grande parte da humanidade. O maior obstáculo é a desigualdade familiar, ou seja, a perpetuação da divisão desigual das funções na vida doméstica. O universo doméstico como prioridade da mulher é a matriz das relações desiguais entre os sexos e é a origem do boicote que aparece desde a juventude sobre ambições escolásticas e profissionais quando a mulher se propõe a ter uma vida em família. 

A igualdade na educação é o principal determinante de igualdade diante da vida. A história das sociedades reflete as transformações que o indivíduo assumiu ao longo do tempo na sua relação com a educação e como essas mudanças influenciaram a sua posição social. No mundo grego, por exemplo, a educação conserva um pouco da hereditariedade da aristocracia arcaica. Na sua história da educação, Marrou lembra que a educação foi elaborada, na origem, em função das necessidades de um ambiente rico, nobre, onde a preocupação era sobretudo moral: formação do caráter, da personalidade combinada com um estilo de vida elegante, esportivo e mundano. A amizade na formação do caráter é ainda muito defendida no processo de educação ocidental, o grupo que sustenta o crescimento individual de cada um se reflete ainda na necessidade de uma formação integral do ser humano. Sozinhos não podemos perceber as diferentes tonalidades da existência e temos necessidade de conviver com a diferença para sermos conscientes de nós mesmos.

A partir do momento em que a educação não é mais somente aristocrática, o direito de se reconhecer nos outros se amplia. Mas isso não quer dizer que o indivíduo será mais ou menos igual por conta disso. No mundo grego, o ideal de educação livre, da democratização da instrução, leva à criação e ao desenvolvimento da escola, porque o ensino se torna uma espécie de direito coletivo, um processo institucional que deveria ser também ampliado à própria existência individual. No entanto, é um desafio nos processos de compreensão da desigualdade porque no fundo é a falta de consciência da identidade que amplia muito a distância entre as pessoas e a participação de cada um na sociedade.

A partir do momento em que a democracia admite a desigualdade dos resultados permite também a desigualdade das chances. A democratização das chances na educação, por exemplo, depende da superação dos obstáculos e da atenção às motivações das famílias, mas pode, por outro lado, colocar em risco o sistema de educação na sua função primária, que é aquela da formação, como se procurou garantir desde a Antiguidade até os nossos dias. 

É a desigualdade no acesso à educação a principal causa de herança social, de imobilismo, de reprodução das classe sociais. A teoria da educação, a partir dos anos 1960, sugere a criação de um modelo de educação que evite uma relação simples e mecânica entre as desigualdades na educação e as desigualdades na vida, aumentando as possibilidades de mudar o seu percurso de vida. Se alguém nasce em uma família de baixa renda não significa que não fará a universidade ou será um advogado. O que está em debate é a dificuldade que tal pessoa encontrará na sua trajetória e como pode desenvolver instrumentos para lutar contra esses obstáculos. 

Uma forma muito limitada de verificar a desigualdade das oportunidades na educação é de procurar explicação na qualidade da hereditariedade cultural em função da classe social. É possível explicar as diferenças no êxito escolar em função da origem social na juventude, se explica as disparidades a nível escolar em função da origem social. Os fatores que envolvem os processos de aprendizado são mais complexos do que pode parecer no caso de uma simples análise econômica.

O problema da desigualdade nas oportunidades é um mecanismo de repetição. As estatísticas mostram a dificuldade que, por exemplo, um filho de operário pode encontrar para chegar à universidade. A hipótese de repetição confirma a estabilidade da estrutura das chances. A origem social, a educação primária e as primeiras experiências sociais são determinantes na praxis de toda a existência, o que pode ser identificado nos atos e opiniões em todos os momentos da vida de alguém. 

O sistema escolar não consegue impor o reconhecimento do real valor da individualidade, mas é o primeiro lugar onde podem ser enfrentadas as desigualdades de origem familiar e territorial. A hierarquização do sistema é um mecanismo que dificulta escapar da determinação de uma trajetória estabelecida pela classe ou bairro onde se nasceu ou cresceu. A escola teria esse papel de mudar a aspiração além da situação econômica ou social. 

A desigualdade de chances na escola é consequência principalmente da estratificação social em si mesma. As posições sociais distintas implicam na existência de sistemas de espera e de decisões. As diferenças na qualidade da hereditariedade cultural em função da classe social explicam somente em medida muito limitada a desigualdade das possibilidades diante do aprendizado. Não é um resultado direto o fato de que um aluno encontrará dificuldade para aprender ou entender conceitos porque foi criado em uma situação difícil, mas será a própria situação de vida difícil que tende a se repetir no seu ambiente escolar. O sistema escolástico é portanto um dos mecanismos de desigualdade mais influentes na sociedade contemporânea.

A desigualdade não garante a diferença, a igualdade não implica na identidade (a uniformidade). A desigualdade gera uniformidade: as desigualdades de renda fazem aparecer extratos sociais no centro dos quais os indivíduos estão em uma espécie de prisão de um modo de vida, ou seja, são mais ou menos obrigados a seguir o grupo “para ser (e ficar) no seu lugar”; as desigualdades criam hierarquias burocráticas que colocam no mesmo standard os comportamentos e os pensamentos.

A igualdade das condições sociais oferece possibilidades de ação e de existência mais favoráveis ao desenvolvimento da personalidade, acesso às riquezas materiais,  participação no poder político ou apropriação dos bens culturais.

Mas é principalmente na desigualdade das habilidades e competências e nas oportunidades de uso da informação que se percebe as perdas que a ausência de uma boa formação no uso dos meios de comunicação pode provocar. O processo de aquisição da cidadania com consciência da própria existência e do lugar na sociedade depende sobretudo da oportunidade de comunicação.

 A dificuldade de uso dos espaços públicos e de comunicação entre os indivíduos cria uma nova realidade onde não é possível ter consciência do próprio lugar no mundo, nos casos em que faltam os instrumentos de decodificação das informações. Isso permite a uma minoria reduzir a sua relação com a maioria, da mesma forma que a organização segmentada e comercial das comunicações faz com que os consumos sejam mais específicos – aumentando assim a diferença entre os extratos sociais. Dessa forma, na medida em que se enfraquece o papel do poder público como garantia da democratização informativa e da socialização dos bens científicos e artísticos de interesse coletivo, todos esses bens são menos acessíveis à maioria.

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