Desigualdade e informação

Existe uma relação direta entre as formas de distribuição das informações na sociedade e a desigualdade social. O problema não é o excesso de informação, mas a sua fragmentação excessiva. Existem dois profissionais necessários para o futuro do jornalismo nesse contexto, os media educators, os profissionais de educação aos meios de comunicação, e os jornalistas com responsabilidade social. Ambos devem dominar as técnicas e estratégias que corresponde a essas novas necessidades de “compreensão da fragmentação”, evitando assim que o privilégio de uma compreensão crítica da realidade seja restrita apenas a pequenos grupos, o que conduz a uma substancial privatização  do poder de comunicação e do uso dos recursos disponíveis no mundo.

A  proposta é uma análise da função da mídia e das suas relações com o desenvolvimento social, cultural e educativo, reconhecendo o seu papel na aquisição do saber na avaliação da atualidade regional, nacional e internacional. Uma sociedade fragmentada, sem memória e sem solidariedade, ou seja, uma sociedade que encontra a sua unidade somente através de imagens sem reflexão está em risco.  Sem refletir, as pessoas não conseguem vivenciar integralmente o seu direito à cidadania.

Inicialmente a defesa da tecnologia se referia a um caminho para uma existência social menos desigual, mas a sociedade contemporânea mostra um difícil paradoxo. A realidade da inteligência artificial a qual somos expostos diariamente na sociedade ocidental não corresponde a essas previsões. A automação não cumpriu o seu papel integrador, pelo contrário, fez com que os homens se tornassem seres mais divididos e solitários, mesmo se parecem bem integrados virtualmente. As informações são tantas e chegam sem parar criando um “curto circuito” que faz com que a identidade dos sujeitos seja fragmentada. 

Os efeitos da fragmentação na construção do texto jornalístico é de um processo que passa da narrativa para a tradução. O jornalista deixa de ser o autor, é o tradutor de um fato em texto, uma transferência de um sistema semiótico para outro, o que provoca perdas e compensações que devem ser consideradas. O texto jornalístico pode servir como instrumento de coesão das informações fragmentadas visto que relaciona o discurso sobre a realidade ao pensamento. Ao narrar a desigualdade, por exemplo, o jornalismo, como emissor popular da linguagem, relaciona a informação sobre uma determinada realidade à possibilidade de propor mudanças. Como ressalta Pierre Bordieu, o poder simbólico das palavras é decisivo nas relações sociais e define o lugar que cada um ocupa na sociedade.

A dificuldade intelectual da nossa época é superar os efeitos negativos da fragmentação criando estratégias e táticas, como propunha nos anos 1990 o filósofo francês Michel de Certeau. E, ao contrário do que afirmava Marshall McLuhan, a tecnologia do conhecimento não nos faz conhecer melhor o homem, entendemos melhor os seus mecanismos, mas a capacidade de expressão de sentimentos, ideias, estão cada vez mais embotadas pelo excesso tecnológico nas reações humanas. Vivemos o desafio de compreender a relação entre indivíduo e sociedade, a legitimação do poder, a relação entre consenso e dissenso, a formação da opinião pública, a ação comunicativa, a participação social e política dos cidadãos dentro de um ambiente tecnológico e de pouca valorização do humano, dos sentimentos, do pensamento.

A desigualdade é resultado tanto da pobreza no sentido econômico quanto da distribuição do conhecimento. Portanto, a necessidade de se pensar sobre a necessidade atual de uma educação ao desenvolvimento, a necessidade de ampliar a participação social do indivíduo através da comunicação, que vamos denominar de Media Education – ou educomunicação. Antes de tudo é necessário refletir de que forma a fragmentação da oferta de informação provoca a desigualdade. Considerando que a distribuição da informação influencia as diferenças sociais e que a educação é um fator essencial para a transformação social e que o jornalismo atual exige cada vez mais a prática da responsabilidade social.

Esse livro é resultado de pesquisas realizadas sobre experiências bem sucedidas de educação aos meios de comunicação no continente europeu. Os meios de comunicação, a Internet, as redes sociais ocupam hoje o lugar que antes pertencia à família, à igreja ou à escola. As informações veiculadas são as mais importantes influências de socialização da sociedade contemporânea e portanto merecem, cada vez mais, pesquisas sobre o papel sociológico e antropológico, concomitantemente à continuidade da reflexão sobre o aspecto linguístico. Avaliar a informação é aprender a considerar significados, convenções, códigos, gêneros, escolhas, combinações e tecnologias. A partir dessa premissa pretende-se compreender de que forma o ato de informar se relaciona com as divisões sociais, com a distribuição de renda e a cidadania.

De um lado nos encontramos em uma sociedade com tanta informação, mas com pouca capacidade de avaliação. O desenvolvimento da habilidade individual de procurar e encontrar informações aumenta enquanto se esvai a capacidade coletiva de entender e julgar. Nos jogos linguísticos da informação jornalística a distribuição do poder é fundamental. A consciência e a competência para traduzir fatos em notícias, para em seguida transformar as notícias em instrumentos de cidadania, não estão disponíveis para todos. De que forma a teoria da comunicação aborda a questão da desigualdade? A teoria da comunicação precisa criar estratégias para “colar” os pedaços fragmentários da informação cotidiana se a intenção é estimular indivíduos mais integrais (e integrados), estimulando o pensamento que seja resultado de uma reflexão e não de um consenso criado a partir da imposição do poder econômico. 

A televisão esteve no centro do debate nos anos 1980. Na geração millenium  o foco recai sobre a Internet e os jogos digitais. Essa pesquisa vai contra a corrente, ao propor resgatar e valorizar o texto escrito jornalístico. Apesar das previsões sobre o fim dos jornais, na prática eles se renovaram e encontraram novos caminhos que garantem a manutenção do seu papel, considerado ainda indispensável no panorama da comunicação. Os primeiros modelos formais de estudo do discurso escrito sobre a imprensa se referia ao consumo e hábitos de leitura, mas atualmente podemos propor um percurso que permita sobretudo a melhor compreensão das diversas formas de apropriações culturais e dos diversos usos do potencial de comunicação. O espaço da reflexão pede uma nova forma de leitura, uma fonte potencial de construção de um discurso pessoal e de assimilação dos saberes.

A capacidade de leitura é produto da interação entre capacidades cognitivo/afetivas, exigências socioculturais e também a idade de desenvolvimento do indivíduo. No caso de situações socialmente de risco a compreensão do discurso da imprensa é ainda mais complexo. O objetivo é fortalecer então a tese de que a educação aos meios de comunicação é um elemento de política pública essencial para garantir a cidadania e para uma formação escolar mais integral. O debate sobre a fragmentação da informação e a capacidade de expressão individual é uma forma também de propor modelos de desenvolvimento.

Voltemos, portanto, ao clássico teórico da Teoria da Comunicação, Marshall McLuhan, que nos lembrava que os gregos tinham um conceito de “consenso” como uma faculdade do “senso comum” em transpor um sentido em outro e de garantir ao homem a consciência. Atualmente a tecnologia nos permite ampliar todas as partes do nosso corpo e os nossos sentidos, sujeitos com a obsessão da necessidade de um consenso externo da tecnologia e da experiência que leve as nossas vidas para um nível de consenso em escala mundial. A fragmentação está espalhada por todo mundo, não seria estranho imaginar que é possível imaginar uma integração a partir dos mesmos moldes. Essa universalidade da consciência foi sonhada por Dante, que acreditava que os homens permaneceriam somente como fragmentos desconexos até que se unissem em uma consciência global. Não é uma consciência social ordenada, mas uma subconsciência individual, um ponto de vista individual rigorosamente determinado pela antiga tecnologia mecânica. É uma consequência bem natural de um atraso ou de um conflito cultural em um mundo dividido pelas tecnologias.

O risco maior é a perda do caráter humano, a mecanização da consciência humana. J.D. Peters indicava uma subconsciência individual que nos permite ser um indivíduo linguístico e social. A Teoria da Comunicação, nesse âmbito, indica um processo comunicativo desancorado do corpo, apesar de que é no corpo que a fragmentação das informações espalhadas será recolhida. É o corpo que autoriza a compreender a fragmentação, é ele que determina quais são as nossas dúvidas e nossos desejos de informação. A leitura e a escritura pedem a participação do corpo. E a comunicação através do texto jornalístico corresponde à necessidade de velocidade do mundo da informação ao mesmo tempo que é um estímulo à corporeidade, porque estimula a independência criadora e colabora na construção de um discurso individual. Por isso acredita-se que um processo educação à leitura seja um passo indispensável ao desenvolvimento da sociedade.